Coluna - Observatório da Imprensa
Um dos fenômenos mais interessantes (e perigosos) da atualidade brasileira é a incapacidade dos atores políticos, inclusive jornalistas engajados, de aceitar a possibilidade de que os adversários possam eventualmente ter razão, ou no mínimo tenham boas intenções. O objetivo do debate, aparentemente, não é provar suas teses, mas demonstrar que as do adversário estão erradas - de preferência, por estar ele vendido ou mal-intencionado; nem vencer a discussão, mas tentar desmoralizar o adversário. E, quando o objetivo não é atingido, bate a fúria e parte-se para o insulto.
É a atitude basicamente antijornalística; mas não faz mal, o importante, como no caso das torcidas organizadas de times de futebol, é brigar. É matar e morrer pelas cores de seus políticos favoritos; é negar aos infiéis até o direito a ter uma posição própria. Se não é vermelho é azul, pronto; e é triste ver jornalistas se comportando como os burros e cavalos da Animal Farm (a Revolução dos Bichos, de George Orwell), batendo os cascos no chão e gritando em uníssono slogans como "quatro pernas bom, duas pernas ruim".
Isso vale para militantes histéricos dos dois partidos que até agora polarizaram o debate político brasileiro, o PSDB e o PT. Petista se recusa a discutir dólares na cueca, tucano se recusa a discutir investigações sobre cartel de metrô e trens urbanos; petista jura que o Supremo perseguiu os mensaleiros (mesmo considerando-se que Dilma e Lula nomearam oito ministros em onze, e que outros dois foram nomeados por presidentes que apoiam o Governo), tucano gostaria de ver os mensaleiros presos submetidos a um regime mais rígido - celas subterrâneas, talvez, e nada de luxos como tomar banho de sol no pátio da prisão.
É pena; o Brasil é mais complexo, mais multifacetado, politicamente muito mais rico do que faz supor esse dualismo barato de seitas inimigas. Isso incomoda os xiitas e os xaatos, que insultam ministros do Supremo, desrespeitam aliados de até há pouco tempo como Eduardo Campos (PSB, ex-aliado dos petistas) e Gilberto Kassab (PSD, ex-aliado dos tucanos), referem-se unicamente com palavrões a cidadãos de cujas ideias discordem. Aliás, não usam unicamente palavrões: usam também expressões como "kkkkk" e "uahuahuahuahua" que devem querer dizer alguma coisa. Não é a primeira vez que o país entra nesse clima de divisão, de guerra sectária, de disputa futebolística; e, se conseguir ultrapassá-lo sem importantes perdas políticas, será a primeira vez em que isso acontece.
Quanto aos meios de comunicação, que pena! As portas estão abertas para o Fla x Flu, mas a mais eficiente arma jornalística tem sido abandonada: a reportagem. O antigo secretário nacional da Justiça do Governo Lula, delegado Romeu Tuma Jr., publicou um livro em que há uma série de denúncias contra a administração de que fez parte. Boa parte dessas denúncias têm como testemunhas exclusivas o próprio autor do livro e seu falecido pai, o delegado Romeu Tuma, e não há como verificá-las. Mas um bom número de acusações pode ser comprovada ou desmentida por bons repórteres, que disponham de tempo e recursos.
Até agora, este colunista não soube de nenhum grande veículo de comunicação, desses que dispõem de pessoal competente e de bons recursos, que esteja pesquisando o que foi publicado no livro. Outro livro, recém-publicado pelo repórter Rubens Valente, tem como temas o banqueiro Daniel Dantas e a Operação Satiagraha. Espera-se que neste caso o livro não fique à mercê de opiniões favoráveis e desfavoráveis: que os jornalistas busquem boas fontes e deixem claro com fatos quem tem e quem não tem razão, e em que pontos.
O ódio à imprensa
Eugênio Bucci, petista desde os tempos iniciais do partido, presidente da Radiobrás no Governo Lula, professor de Jornalismo e profissional lúcido, racional, bem preparado, aponta neste Observatório da Imprensa a raiz dos problemas sectários que sufocam o debate político: a tentativa de criar inimigos para justificar suas atitudes, sejam lá quais forem. A tentativa de demonizar a imprensa nasce aí: se a notícia é ruim para a facção, foi inventada ou deturpada "pelos barões da mídia"; se a notícia é boa para a facção, "os barões da mídia foram obrigados pela pressão popular a divulgá-la, para que não se desmoralizem de vez"; e assim por diante. Um bom exemplo: os quadrilheiros do Mensalão foram presos (com raras exceções). "Por que os responsáveis pela roubalheira do Metrô estão soltos?" Por vários motivos - sendo o principal que não houve julgamento e, portanto, não há como prender ninguém, a menos que se jogue no lixo o regime democrático.
Mas o importante é lançar a dúvida, é criar o inimigo. E não adianta citar a CGI, Comissão Geral de Investigações do regime militar, que prendia e arrebentava sem maiores preocupações com essas coisas de julgamento.
O mundo gira, a Lusitana roda, e pedir coerência a militantes alucinados é um pouco meio muito.
Desviando o foco
A quase ex-ministra da Casa Civil da Presidência da República, Gleisi Hoffmann, vê sua candidatura ao Governo do Paraná ainda empacada nas pesquisas. Seu principal assessor, que deveria coordenar sua campanha, era Eduardo Gaievski, que está na cadeia acusado de estuprar menores. Como sair desse círculo de horrores? Gleisi optou pelo sistema mais simples: abriu processo contra o jornalista Ucho Haddad (www.ucho.info), que revelou uma série de problemas em sua gestão. E, utilizando o velho truque de tentar sufocar economicamente o jornalista, que publica seu blog em São Paulo, abriu o processo no Paraná, para obrigá-lo a enfrentar custos maiores.
É mais provável que a truculência da ministra dificulte sua tentativa de chegar ao Governo. E, claro, contribuirá para que os jornalistas não comprometidos continuem lembrando os estupros de seu assessor de confiança. Quem sabe, com o tempo, ela descubra que é melhor deixar de recorrer à superioridade de poder político e econômico e enfrentar um debate limpo, em condições de igualdade?
A ciência e a fé
Lembra o navio russo que encalhou no gelo, na Antártida, entre o Natal e o Ano Novo? Todos os meios de comunicação noticiaram o encalhe e acompanharam o salvamento da tripulação e dos passageiros. Mas ninguém fez uma pergunta fundamental: passageiros? Passageiros que iam de onde para onde? Visitar o Polo Sul no verão? Estariam em busca de Papai Noel, no polo errado?
Os meios de comunicação não noticiaram, mas aqui há um link interessantíssimo com a resposta: http://ecologia-clima-aquecimento.blogspot.com.br/ Os passageiros eram cientistas empenhados em comprovar a tese do aquecimento global - e foram apanhados exatamente pelo gelo. Não é a primeira vez (já houve falsificações incríveis de trabalhos científicos para demonstrar o aquecimento global e a responsabilidade humana por esse fenômeno). Mas, como observa o leitor Renato Grimaldi, ao menos uma questão foi resolvida: o velho dilema entre Ciência e Fé. Para esses cientistas, a ciência do aquecimento global é uma questão de fé.
Quanto aos meios de comunicação, custava dar a notícia completa?
Quem paga, tem
É coisa grande e feia: a Associação Brasileira de Anunciantes, ABA, e a Associação Brasileira das Agências de Publicidade, Abap, maiores entidades representativas das categorias, enviaram carta a Rede Record protestando contra a utilização do Jornalismo para perseguir empresas que lá não anunciam. "É preciso tomar muito cuidado para não ultrapassar o que é ético no exercício do jornalismo crítico", diz a carta enviada à rede.
Rafael Sampaio, vice-presidente executivo da ABA, diz que as entidades foram informadas de que vários não anunciantes se sentem perseguidos por reportagens da rede.Segundo o respeitado jornalista Daniel Castro, do blog Notícias da TV (http://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/mercado/entidades-advertem-record-por-perseguicao-a-anunciantes-1619), as queixas partem de empresas como HSBC, Coca-Cola, Santander, Itaú e Walmart.
A Record não comentou o caso. Nem a Record nem os meios de comunicação em geral: talvez seja falha de leitura, mas este colunista só achou a notícia no blog de Daniel Castro.
A falta que a imprensa faz
Veja o nome: PEN, Partido Ecológico Nacional. Seu presidente nacional, Adilson Barroso, está sendo processado por provocar danos ambientais em Sertãozinho, SP; e por isso teve os bens bloqueados pela Justiça. O caso está no Tribunal de Justiça. Mas não está na grande imprensa: este colunista só o encontrou no Consultor Jurídico (www.conjur.com.br) e no blog de Ucho Haddad ((www.ucho.info).
E o caso, sem discutir se há ou não culpa, é no mínimo engraçado: o presidente nacional do partido ecológico sendo processado exatamente por danos ao meio-ambiente.
Números
Jornalistas e números são inimigos naturais, como lobos e ovelhas (os números são o lobo). Há exceções: há no YouTube vários filmes mostrando o bom convívio entre passarinhos e gatos, guepardos e gazelas, leões e pessoas. Deve haver amizades entre lobos e ovelhas, também. Mas não é a praxe.
Só que há jornais especializados em Economia, há jornalistas que trabalham na imprensa econômica e não deveriam ter esse ódio visceral aos números. E isso apareceu exatamente onde não poderia:
1 - Olho da matéria: The Economist, 140 anos.
2 - No meio da matéria: "ao longo de seus 180 anos de vida (...)
3 - Mais para a frente: "fundada em Londres, em 1843 (...)"
Você decide!
Números, números
Para saudar esses primeiros dias do ano, recebemos alguns números fantásticos. Num grande jornal, que usa como base informações de um sindicato, há matéria dizendo que o incêndio na Reduc, Refinaria Duque de Caxias, da Petrobras, daria prejuízos de R$ 500 mil por dia à empresa.
No dia seguinte, o mesmo jornal publicou outra matéria, baseada em outra fonte, calculando em R$ 28,9 milhões o prejuízo diário da Petrobras. E, naturalmente, não fazia qualquer menção à matéria do dia anterior, que citava prejuízos bem menores.
A primeira reportagem estava correta. O incêndio afetou apenas uma unidade da Refinaria, causando os prejuízos de R$ 500 mil diários. A segunda matéria calculou o prejuízo que teria ocorrido se toda a refinaria estivesse parada.
Só que não estava, né? E esqueceram de citar esse singelo detalhe na notícia.
Números, números, números
Como em todos os anos, em todos os eventos, a Prefeitura paulistana anuncia um número inflacionado de pessoas na avenida Paulista. Nem se a avenida tivesse quatro andares caberia toda aquela multidão.
De acordo com os dados da Prefeitura, havia no réveillon dois milhões de pessoas. Não dá: imaginemos que toda a avenida Paulista, com dois quilômetros de extensão e 60 metros de largura, estivesse ocupada (o que não é verdade, por dois motivos: primeiro, porque a área utilizada foi de um quilômetro, metade da avenida; segundo, porque a área não é totalmente livre, tem bancas de jornais, pontos de ônibus, o próprio palanque, os postes de sinalização, etc.) Mas, imaginando a avenida inteira como área livre, caberiam no máximo 720 mil pessoas amontoadas, todas magrinhas, seis por metro quadrado. Mas o amontoamento não era tanto: havia, talvez, quatro pessoas por m². Ou seja, 480 mil. E, considerando-se que menos da metade do espaço foi utilizada, um cálculo de 300 mil pessoas já seria bem generoso.
Comparemos com o Rio: a praia de Copacabana tem 4 km de extensão, com largura utilizável de 150 metros. São 600 mil metros quadrados. A quatro pessoas por m², são 2,4 milhões - e basta olhar para as imagens de TV para ver que no Rio havia muito mais gente do que em São Paulo.
O mais curioso é que institutos de pesquisas ligados a jornais têm todas as condições de calcular o tamanho da multidão (e hoje, usando drones, ficou ainda mais fácil). Não calculam porque não querem. Também, quem é que o consumidor de informações pensa que é, para querer notícias precisas?
Como...
De um grande jornal impresso, de circulação nacional, referindo-se a um filme:
No título: "Até que a Morte nos Separe 2".
Na legenda: "Até que a Morte nos Separe 2".
No texto: "Até que a Sorte nos Separe 2".
O título correto do filme perdeu por 2x1, mas continua correto: "Até que a Sorte nos Separe 2".
...é...
No cartaz da gôndola de um supermercado caríssimo, em São Paulo, oferecendo um produto especial: