Coluna - Observatório da Imprensa
Duas primeiras páginas notáveis em uma única semana. E isso numa época de demissões, enxugamentos (nome em tucanês para o velho e mau passaralho), downsizing (nome em código para "vamos cobrar a mesma coisa, ou mais um pouco, oferecendo um pouco menos ao nosso consumidor"), salários contidos. Dá para imaginar que seria possível, num clima menos opressivo do que o imposto hoje em dia nas redações, apresentar com mais frequência um jornalismo de primeira classe, daqueles que atraem os clientes, os anunciantes, aumentam a circulação, o índice de leitura e a publicidade.
É difícil avaliar qual das duas páginas é a melhor. O Diário do Comércio, de circulação gratuita e restrita a comerciantes (editado que é pela Associação Comercial de São Paulo), comenta com brilho a infeliz frase do prefeito paulistano Fernando Haddad, que tentou explicar sua gestão até agora invisível (e esta é uma classificação gentil) botando a culpa nos contribuintes: "Somos uma elite míope, com poder econômico empobrecido do ponto de vista espiritual".
Capa do Diário do Comércio, com uma foto totalmente desfocada: "Perdoem-nos a foto sem definição. É a miopia". Criada, claro, por Moisés Rabinovici, ex-Jornal da Tarde.
A propósito, a Associação Comercial de São Paulo é comandada por um grupo do qual fazem parte do ex-prefeito Gilberto Kassab, que hoje é Dilma desde criancinha e faz parte da base governista no Congresso, e Guilherme Afif Domingos, que é ministro de Dilma. Mas nem eles, dilmismo à parte, puderam aguentar o prefeito que só se veste com ternos de grife, que corta os cabelos com o prestigiado e caríssimo profissional Celso Kamura (que lhe foi indicado por um símbolo da elite paulista, a ministra Marta Smith de Vasconcellos Matarazzo Suplicy), mas critica as elites e acha que as elites que critica são os outros.
A outra capa excelente é do Estado de Minas, comentando a asquerosa manifestação racista dos torcedores de um tal Real Atlético Garcilaso, do Peru, que se manifestavam imitando macacos sempre que o volante negro Tinga, do Cruzeiro de Belo Horizonte, pegava na bola. Diz a Conmebol, que cuida dos torneios interamericanos, que irá julgar o timeco peruano (o ideal, aliás, seria decretar a perda dos pontos do Garcilaso, mesmo que esses pontos não fossem concedidos ao Cruzeiro). Enfim, dado o histórico de permissividade da Conmebol, não se sabe. Mas vamos à brilhante capa do Estado de Minas:
"Eu sou Cruzeiro.
"Eu sou Galo.
"Eu sou Coelho.
"Eu nem gosto de futebol.
Todos somos TINGA".
Todos somos Tinga, caro colega Josemar Gimenes, comandante do Estado de Minas. Nesta hora, quem discordar que perdoe este colunista.
Mas quem não for Tinga é porque não presta.
As patrulhas
O humorista Fábio Porchat, do grupo Porta dos Fundos, participou de um quadro de humor pela Internet, Dura. Nele, inverte o tradicional quadro de policiais humilhando cidadãos comuns: em Dura, cidadãos comuns humilham policiais, dão-lhes bofetadas, tomam algum para uma cerveja - aquilo a que os leigos chamariam de "extorsão". Caiu no gosto do público e foi visto por algo como cinco milhões de pessoas. E irritou profundamente muitos cidadãos.
O Blog do Soldado, página não oficial de apoio à PM fluminense, diz que o vídeo "gerou muita revolta na classe". Em comentários no blog, "esse humoristazinho achou que pode postar um vídeo e humilhar toda classe policial-militar e que isso fosse ficar por isso mesmo? Está muito enganado, Fábio Porchat!" Outro comentarista sugere que se metralhe Porchat. Outro, ainda, acha que seria melhor espancá-lo: "Não estamos incitando a violência, mas bem que esse Fábio Porchat merecia levar umas belas de umas porradas por esta humilhação que proferiu contra os policiais militares".
Pelo jeito, há pessoas que só aceitam aquilo que inexiste: o humor a favor. Judeus e turcos de mão aberta, loiras e portugueses inteligentíssimos, escoceses (em piadas americanas) totalmente perdulários, romenos (em piadas europeias) honestíssimos, uma deliciosa e bem temperada cozinha britânica, produtos paraguaios que esbanjem qualidade e originalidade.
Claro, se alguém levar um tombo será proibido dar risada.
Não é só a violência, a grosseria, a boçalidade das reações.
É o país chato que estão querendo nos impingir.
As derrotas na guerra 1
O SBT mandou embora três comentaristas: Carlos Chagas, Denise Campos de Toledo e José Nêumanne Pinto (Nêumanne, a propósito, foi convidado em seguida pela TV Gazeta, e aceitou). Motivo das demissões? Nenhum - ou talvez haja, quem sabe? Um grupo forte do Governo conseguiu derrubar a filha de Carlos Chagas, Helena, está modificando toda a Secretaria de Comunicação e derrubando quem quer que fosse ligado a ela. Nêumanne tem feito críticas ao PT - e o SBT talvez não queira ser pressionado por isso. E Denise? Boa pergunta: quem sabe as nuvens que se escondem nos corações dos diretores?
A propósito, tão logo demitiu os três comentaristas, quem foi para a rua foi Ricardo Mello, o segundo homem do jornalismo da emissora, logo abaixo de Marcelo Parada. Sua missão, para o SBT, estava cumprida.
As derrotas na guerra 2
Joice Hasselman, âncora da Rede Record no Paraná, passou um bom tempo pisando nos calos do poder - o que, a propósito, faz parte das obrigações dos bons jornalistas. Incomodou Roberto Requião, incomodou Gleisi Hoffmann, incomodou o governador Beto Richa. Neste momento, não incomoda mais: Joice foi demitida tão logo voltou de férias. Trabalhava também numa rede de rádios, de outros proprietários, mas conseguiram lá também que fosse demitida do emprego. O curioso é que Joice tinha sido contratada, tanto pela Record quanto pela rede de rádios, exatamente por sua capacidade de incomodar. Era a principal âncora da emissora e a editora de Política dos três principais jornais da casa.
Boa entrevistadora, capaz de encontrar as falhas na argumentação das autoridades, Joice descobriu que essas, talvez, não sejam qualidades desejáveis neste momento.
Dava audiência? Sim, dava audiência. Mas quem disse que audiência é a meta que algumas emissoras buscam?
A única vitória
Raquel Scheherazade, a âncora do SBT, teve a cabeça pedida de todos os jeitos, mas não conseguiram derrubá-la. Na opinião deste colunista, Raquel Scheherazade errou no caso do rapaz preso no poste com um cadeado de pendurar bicicletas. Mas afastar a principal apresentadora da rede, a que mais movimenta o público, por causa de um erro, seria uma bobagem sem tamanho. Pelo menos até que as forças da censura consigam se rearticular, Raquel Scheherazade continua.
Lembranças
A morte de Shirley Temple, a menininha que foi uma das maiores estrelas de Hollywood (e lembrada até hoje, embora tenha encerrado a carreira aos 22 anos de idade, mais de 60 anos atrás), levou os meios de comunicação brasileiros a falar de Maysa, a garotinha que é sucesso no SBT. OK, Maysa vale a lembrança.
Mas faltou lembrar, cobra o experiente repórter João Bussab, duas estrelas mirins, duas garotinhas que marcaram a história da TV brasileira: Verinha Darcy, que morreu cedo, filha de uma garota-propaganda que marcou época, a grande Elizabeth Darcy, e irmã de um dos mais populares apresentadores esportivos do país, Sílvio Luiz; e Sônia Maria Dorce. Ambas lindas, graciosas, símbolos da TV da época. Verinha, na TV Record; Sônia, na Tupi - "na taba", como gostava de dizer, lembrando os índios brasileiros, o fundador Assis Chateaubriand.
Sônia Maria Dorce tinha cinco anos quando, na primeira transmissão de TV do Brasil, em São Paulo, colocou o cocar e disse "Boa Noite". A PRF3 TV Tupi-Difusora, que mais tarde seria a TV Tupi, ganhava sua estrelinha - que, não por acaso, era chamada de "Shirley Temple brasileira". Sônia Maria Dorce foi estrela enquanto quis; quando se formou em Direito, largou a TV e abriu seu escritório de advocacia, que comanda até hoje.
A TV brasileira é muito nova. Ainda não chegou ao estágio em que possa esquecer seus astros.
Sem fantasia
Tudo muito bom, tudo muito bem, Ciro Gomes tem o pavio curto, mesmo. É briguento, pode ser grosseiro, pode ser desrespeitoso. Mas no episódio atual, em que afastou um cavalheiro com o braço para não ser filmado, depois que este cavalheiro o ofendeu, Ciro Gomes não é culpado: é vítima. Esse estilo debochado e agressivo de algumas pessoas com uma câmera na mão não é jornalismo, não é descontração, não é ousadia: é apenas falta de educação.
Lembremos: Ciro, secretário da Saúde do Ceará, foi inaugurar uma Unidade de Pronto-Atendimento, UPA (aquilo que, antes que tucanassem a linguagem política, chamávamos de pronto-socorro). Aí se aproxima alguém com uma câmera na mão (repórter não era; talvez, mas isso não ficou claro, mídia ninja) para entrevistá-lo e começa dizendo "mais um que faz parte da corja". Ciro o afastou, então, e o assunto morreu - exceto na Internet, onde vicejaram as críticas ao secretário. Ciro pode ter todos os defeitos, mas não é obrigado a dar entrevista a alguém que já chega disposto a ofendê-lo.
Um repórter pode ser corajoso, pode não ter papas na língua, pode ser ousado, mas no mínimo precisa ter educação.
A falta que ele faz
Não, não era jornalista, mas poderia ser: escrevia maravilhosamente, sabia expor suas ideias com clareza. O que chamava a atenção em Jorge Wilheim era, além do conhecimento da arquitetura e do urbanismo, e das ciências humanas em geral, sua inteligência fulgurante. Não era preciso concordar com ele, mas entrevistá-lo, ou simplesmente bater um papo, era um prazer.
Wilheim morava numa casa espaçosa, antiga, linda, no bairro das Perdizes, em São Paulo. Fica no fundo de uma rua sem saída; sua varanda traseira tem uma vista inesquecível. Wilheim, nascido em Trieste em 1928, vivia no Brasil desde 1940; e não houve prefeito de São Paulo, fosse qual fosse sua orientação política, que deixasse de pedir sua colaboração. E ele sempre a deu, com a máxima dedicação.
Uma coisa é certa: o Brasil fica muito mais pobre sem ele.
Zanfra na área
Um bom livro está sendo relançado: As covas gêmeas, de Marco Zanfra, experiente (e competente) jornalista que vive hoje em Florianópolis, para inveja de seus colegas. E o relançamento traz uma novidade: a Livraria da Folha abre a possibilidade de que se tenha um vislumbre do que é o livro, antes de comprá-lo. Este colunista gostou da ideia.
O aperitivo de As covas gêmeas está em http://www1.folha.uol.com.br/livrariadafolha/2014/02/1410599-crime-em-florianopolis-inspira-romance-policial-leia-trecho.shtml
Ele esteve lá
Carlos Chagas, um dos mais experientes repórteres políticos do país, jornalista que acompanhou, dentro do Governo, a tentativa do ditador Costa e Silva de revogar os atos institucionais, colocar em vigor a Constituição e acabar com a ditadura (Costa e Silva teve um derrame e foi substituído por generais de linha duríssima, que levaram sua iniciativa ao fracasso), narra agora o que viu, ouviu, intuiu e interpretou: no dia 26, às 18h, lança no restaurante Carpe Diem, em Brasília, o livro A ditadura militar - golpes dentro do golpe - 1964-1969.
Uma obra essencial para quem quiser conhecer e compreender a ditadura militar brasileira.
Destino: Brasil
Os primeiros judeus chegaram ao Brasil junto com os descobridores (e, quando os padres Anchieta, Nóbrega e Manuel de Paiva chegaram a Piratininga, onde fundaram São Paulo, encontraram um judeu que lhes deu todo o apoio, João Ramalho, casado com Bartira, a filha do cacique Tibiriçá). Fernando de Noronha foi um grande exportador de pau-brasil para a Europa; judeus portugueses exilados na Holanda vieram para o Recife com o príncipe Maurício de Nassau (e, com a expulsão dos holandeses, muitos foram para a América do Norte, para a cidade de Nova Amsterdã - hoje, Nova York. Judeus marroquinos contribuíram para que a Amazônia desfrutasse da riqueza da borracha e estiveram entre os fundadores do magnífico Teatro Amazonas, em 1896. O judeu ucraniano Noel Nutels era o médico da Expedição Roncador-Xingu, do marechal Rondon; e mais tarde criou o Serviço de Unidades Sanitárias Aéreas, o SUSA, que levava atendimento médico, de avião, às tribos amazônicas isoladas.
O movimento imigratório judeu durou quatro séculos, mas é ignorado pela historiografia oficial brasileira. A socióloga e ex-senadora Eva Blay preenche este vazio: neste dia 20, a partir das 20h, lança O Brasil como destino, no Centro de Cultura Judaica, SP, em debate com o professor Moacir Amâncio. A entrada é gratuita; mas um quilo de alimento não-perecível será bem recebido.
O livro tem pesquisa histórica, mas não se limita a ela: Eva Blay inova buscando entrevistas com judeus imigrantes e seus descendentes brasileiros; e traz relatos de gente de 17 países, das mais diversas classes sociais.
Em http://bit.ly/1iOZvBJ é possível ler um trecho do livro. Vale degustar.
Como...
Num jornal impresso de ampla circulação, outrora preocupado com a elegância e a correção do texto: