Coluna - Observatório da Imprensa
Muita gente, muita gente, muita gente indignada com a foto divulgada nas redes sociais: uma praia na Bolívia coberta de cadáveres. Segundo a legenda da foto, eram os mortos dos confrontos na Venezuela, atirados ao mar e levados pela correnteza até a Bolívia. Mas certos pequenos detalhes foram ignorados:
1 - a Bolívia não tem litoral. Tem algumas praias em lagos, a alguns milhares de metros de altitude;
2 - se tivesse litoral, como já o teve antes das guerras com o Chile, estaria no Oceano Pacífico. A Venezuela é banhada pelo Mar do Caribe, Oceano Atlântico.
3 - os corpos jogados ao mar na Venezuela teriam de deslocar-se até o Canal do Panamá, ao Norte, e retornar ao Sul, sendo recolhidos no Chile, transportados para a Bolívia e içados até as praias lacustres do alto dos Andes.
Esses pequenos detalhes não impediram a indignação bem-pensante diante dos massacres promovidos, segundo quem se manifestou, pelo Governo venezuelano de Nicolau Maduro. Não que Maduro seja santo, embora diga que, como São Francisco de Assis, conversa com pássaros; mas, neste caso, não podia ser culpado.
Houve também as notícias de que na Venezuela estariam ocorrendo massacres como os da Síria. Falso: a situação é séria, há mortos, há grupos paramilitares tentando matar manifestantes, há muita coisa ruim. Mas a situação sequer se aproxima da guerra civil, com participação de tropas internacionais e de terroristas dispostos a explodir-se para matar gente de outra vertente religiosa, da Síria.
E, finalmente, há as notícias de que tropas cubanas de elite desembarcaram na Venezuela, para lutar ao lado de Maduro. Verdade ou mentira? Não dá para responder; mas não há qualquer indício concreto de que os grupos fardados que aparecem nas fotos sejam formados por cubanos.
A situação da Venezuela é trágica e é compreensível que os dois lados reajam com indignação ao noticiário que lhes é desagradável. Mas há coisas bem menores que provocam indignação semelhante. Um publicitário, de brincadeira, pegou uma gravação de Elvis Presley, tirou o som e colocou a música de Esse cara sou eu, com uma letra em inglês rigorosamente sem sentido. Na pior das hipóteses, se a música tivesse mesmo sido cantada por Elvis, a brasileira seria plágio. Mas as reações foram desproporcionais: os compositores brasileiros da música foram chamados de bandidos, de animais, de corruptos, de picaretas, de gente de esgoto, que deveria ser apontada publicamente como mau exemplo para a juventude.
Este colunista costuma, quando algum conhecido comete esse tipo de erro, mandar um bilhete pessoal informando que tudo não passa de pegadinha. Às vezes, funciona; às vezes, o conhecido exige provas de que é uma pegadinha e não verdade, e continua a difamar gente que não tem culpa nenhuma. Outros são mais diretos: diante da informação de que determinado advogado ligado a um partido não estava ficando milionário com indenizações pagas a vítimas de torturas na época da ditadura militar, disse que esse tipo de nota era boa, porque atacava o outro lado, e ele continuaria a divulgá-la, fosse verdadeira ou não.
Os exemplos são diversos: a bolsa-prostituta (uma ajuda do Governo para que as profissionais do sexo se preparem para atender bem os clientes estrangeiros durante a Copa), as declarações de uma ministra se solidarizando com um criminoso que tinha trocado tiros com um policial e sido ferido, a tornozeleira eletrônica para que os médicos cubanos, quando fugissem, pudessem ser encontrados rapidamente. É tudo falso, tudo pegadinha: mas os ânimos estão de tal maneira acirrados que este besteirol acaba sendo recebido como se verdadeiro fosse.
Claro, há coisas verdadeiras. A ministra Maria do Rosário deixou o chanceler da Noruega, com quem tinha agendado uma audiência, falando sozinho: saiu bem na hora de recebê-lo e viajou para participar da Festa da Uva. A OAB do Rio hospedou uma cerimônia em que autoridades nem pediram para tocar o Hino Nacional, mas pediram a Internacional comunista e a cantaram com entusiasmo.
Separar as besteiras reais das plantadas é o novo desafio dos consumidores de informação. Aquele tempo em que cada leitor confiava em seu jornal e acreditava que o que de lá viesse era correto acabou - parece que para sempre.
Respondendo à pegadinha
Curioso é que não são apenas indivíduos que acreditam em pegadinhas. Organizações grandes, poderosas, equipadas, cheias de assessores, também caem. O Ministério da Saúde publicou nota desmentindo que os médicos cubanos seriam obrigados a usar tornozeleiras eletrônicas para inibir fugas. A sério, informa que a lei que criou o programa Mais Médicos não prevê aparelhos de monitoramento e garante que os médicos estrangeiros têm o direito de ir e vir, e de demitir-se. Veja o Blog da Saúde: http://www.blog.saude.gov.br/index.php/maismedicos/33661-esclarecems-ministerio-da-saude-desmente-boatos-de-que-profissionais-cubanos-do-mais-medicos-devem-usar-tornozeleira
Perrelagem
Já não se fala mais no helicóptero pertencente à família do senador Zezé Perrela, no qual foram apreendidos 500 quilos de cocaína (quantia hoje conhecida como "uma perrela"). Os meios de comunicação, mantendo um velho hábito, divulgaram a notícia com destaque, aceitaram como se fossem boas as versões de governistas e antigovernistas, cada um jurando que Zezé Perrela era partidário do outro lado, deixaram pacificamente que a culpa caísse apenas sobre o piloto e o copiloto. Em seguida, calaram-se.
Um único repórter, o excelente Rodrigo Hidalgo, da Rede Bandeirantes, continuou investigando o caso. E coube a ele a exclusividade da bomba que saiu na semana passada: o piloto da família Perrela costumava comprar helicópteros semidestruídos, reformá-los e botá-los para voar - sabe-se lá com que carga.
Foi este o prejuízo?
A Justiça condenou uma grande rede de TV a pagar R$ 100 mil a cada um dos três diretores da Escola Base de São Paulo, pelo dano moral causado pelas reportagens que lhes atribuíam abuso sexual contra crianças que estavam sob sua responsabilidade. O caso ocorreu há 22 anos; e ainda cabe recurso da condenação.
Relembrando: a mãe de um aluno da Escola Base denunciou abusos sexuais contra seu filho; policiais se esbaldaram de aparecer na TV procurando mostrar que o caso era ainda mais grave do que parecia; os meios de comunicação também se esbaldaram. Houve uma única exceção: um expoente do bom jornalismo, um dos magos responsáveis pela melhor fase da Última Hora, Jorge de Miranda Jordão, não permitiu que o jornal que na época dirigia, o Diário Popular, de São Paulo, entrasse na manada difamatória.
Era tudo falso, claro. E até a lesão no ânus de uma criança, apontada inicialmente como prova de violação sexual, e amplamente enfatizada nos meios de comunicação, era algo bem mais prosaico: uma assadura.
As consequências foram graves: a escola apedrejada e destruída, os alunos retirados, os credores encarniçando-se para receber o mais rapidamente possível, os devedores convencidos de que as dívidas tinham desaparecido com o escândalo, a vida dos proprietários gravemente prejudicada. A Escola Base acabou.
Agora, vinte anos depois, uma pequena quantia para cada um? Como é barata a honra alheia! Este colunista sabe de casos em que autoridades - que, aliás, devem estar preocupadíssimas, já que as investigações sobre o caso do cartel dos trens urbanos e do Metrô estão perto delas, embora ainda não as tenham tocado -acusadas de fatos reais, processaram os acusadores e tendem a ganhar mais do que isso. Já quem é acusado falsamente e tem a vida gravemente prejudicada, mas não é autoridade, não tem bico longo, não tem amigos bem situados na política, esses têm de se contentar com o que conseguirem obter, e olhe lá.
O papel aceita tudo
A notícia, infelizmente, é a cada dia mais comum: numa tentativa de assalto, em São Gonçalo, RJ, o marido foi morto e a esposa ferida. Como a notícia foi inflada para parecer diferente?
O rapaz assassinado era cabeleireiro; e, certa vez, cuidou do cabelo da atriz Cristiana Oliveira, para a estreia da peça Feliz por nada, em Niterói, RJ. Pronto: o título estava feito. Cabeleireiro de famosos é morto em tentativa de assalto em São Gonçalo. Quais os outros famosos atendidos por ele? A notícia não conta. Pior: ser cabeleireiro de famosos ou simplesmente atender à clientela de seu salão modifica alguma coisa na tragédia que ocorreu? Teria ele sido morto por causa de algum cliente? Não: o delegado que investiga o caso diz que este tipo de crime é comum na região e está ligado a quadrilhas de traficantes.
Inflar uma notícia já é ruim. Inflá-la usando para isso uma tragédia é infamante.
Um livro para ouvir e tocar
Mato Grosso do Sul, de Paulo Renato Coelho Netto, exigiu 12 mil quilômetros de viagens pelo Estado; valeu a pena. E agora vai valer ainda mais: 14 anos depois do lançamento, Mato Grosso do Sul ganha duas novas versões, uma em áudio, outra em Braille - ambas destinadas a pessoas que, por deficiência visual, estavam impedidas de desfrutá-lo. Paulo Renato abriu mão dos direitos autorais, a Petrobras patrocinou o lançamento e o livro vai agora para bibliotecas especializadas em Braille e áudio.
Uma excelente notícia, no meio de tantos problemas.
Como...
De um grande jornal regional, ligado a uma imensa rede de comunicações: