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Coluna - Observatório da Imprensa

A orfandade do erro. Carlos Brickmann, para o Observatório da Imprensa

(*) Especial - Observatório da Imprensa (www.observatoriodaimprensa.com.br), Circo da Notícia, 15 de abril de 2014

16.04.2014  |  161 visualizações

Boa praça, o senador Delcídio Amaral, do PT sulmatogrossense. Sorridente, afável, de conversa agradável, gentil, sempre pronto a atender aos jornalistas, sempre demonstrando boa vontade com a imprensa. Isso, naturalmente, na primeira página. Nas páginas internas, onde aumenta o volume de informações a respeito do trabalho e das opiniões de Sua Excelência, o cavalheiro derruba o "h", troca os sapatos de pelica por botas de couro cru e calça as esporas.

O nome do problema é Nestor Cerveró. Cerveró foi diretor da área internacional da Petrobras e o demitiram depois de responsabilizá-lo por não ter fornecido informações completas sobre a compra da Refinaria de Pasadena para o Conselho da empresa. Na época em que era o homem-forte da Petrobras, prestigiadíssimo, Delcídio Amaral e Renan Calheiros disputavam a honra de tê-lo indicado. Hoje, só falta garantir que não o conhecem. E é aí que Delcídio despe as roupas de Clark Kent e se transforma num Incrível Hulk com dor de dente.

Delcídio entrou com ação inibitória contra o Correio do Estado, de Campo Grande, para proibi-lo de divulgar qualquer notícia que vincule seu nome ao de Cerveró. Parou por aí. Nada fez contra a Agência Folhapress, que forneceu a notícia ao Correio do Estado; nem contra outros jornais que também publicaram a notícia, como O Globo, Folha de S.Paulo, Estado de Minas, Correio Braziliense. Não quer que a notícia saia no seu Estado - e ainda por cima num ano eleitoral!

O juiz Wagner Mansur Saad, da 12ª Vara Cível de Campo Grande, ameaça multar o jornal em R$ 20 mil a cada vez em que relacionar o nome de Delcídio ao de Cerveró. E quer obrigar o Correio do Estado a revelar a fonte.

Ainda bem que este colunista não se formou em Direito: ficaria perplexo com uma medida que, a seu ver, ignora a inviolabilidade garantida pelo artigo 5 da Constituição (deve ser interpretação errada de leigo, claro - mas que parece certa, isso parece).
Mas a atitude de Delcídio, além de revelar muito sobre ele, revela outras coisas a respeito dos políticos em geral:

1- Todos amam a liberdade de imprensa, enquanto nada é descoberto a seu respeito. Quando viram alvo, continuam amando a liberdade de imprensa, "desde que não se confunda liberdade com libertinagem", ou que os meios de comunicação "não se dediquem a distorcer notícias com finalidades eleitoreiras".

2 - Todos adoram jornalistas enquanto divulgam notícias que possam beneficiá-los. Aquele jornalista maravilhoso de repente se transforma no símbolo vivo do mal absoluto, a quem é preciso conter custe o que custar.

3 - Imprensa tem de ser livre, protegida contra censura - mas nada que impeça regulamentá-la, né? Tem um pessoal aí que adoraria regulamentar a imprensa para que esses jornalistas aprendam a exercer a liberdade com responsabilidade - ou seja, que falem mal o quanto quiserem, quando quiserem, sem limites, mas apenas dos adversários.

O cavalheiro das trevas

O ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal, já foi apontado como o Batman que, sem temor, e com competência, enfrentava os criminosos mais bem postados do país. Batman, um dos mais famosos personagens de histórias em quadrinhos (e depois da TV e do cinema) teve várias fases, desde que foi criado por Bob Kane em 1936. Uma delas, sob o comando de Frank Miller, recebeu o título O Cavaleiro das Trevas.

A vida muitas vezes imita a arte. Joaquim Barbosa lança agora a força de seu prestígio na regulamentação dos meios de comunicação - eufemismo tantas vezes usado para evitar a feia palavra "censura". Regulamentação é mais bonito. E qual a queixa de Barbosa? Diz ele que falta diversidade ideológica e racial a jornais e emissoras de televisão do país.

Considerando-se que entre os homens só existe uma raça, a raça humana, seria curioso discutir a tal "diversidade racial". Talvez o meritíssimo se refira a etnias, ou à cor da pele; mas lembrando que Oliveiros S. Ferreira, Frederick Heller, Nicolàs Boer exerceram o poder ao mesmo tempo naquele que era o jornal mais importante do Brasil; que um muçulmano descendente de sírios é o comandante do jornalismo do maior meio de comunicação do país - e por seus próprios méritos, fartamente comprovados; que a imprensa não economizou elogios ao ministro negro que presidia o Supremo Tribunal Federal; pedir diversidade étnica talvez seja chover no molhado. Quanto à diversidade ideológica, há de tudo na praça. Alguns meios de comunicação se tornaram maiores e mais importantes do que outros; mas será que a preferência do público nada tem a ver com isso?

Joaquim Barbosa presta a homenagem à liberdade de imprensa de todos os adversários da liberdade de imprensa: diz que a tal regulamentação não é uma forma de censura. Na opinião de Sua Excelência, "a comunicação no Brasil é muito quadradinha"; que muitas organizações não despertaram para a necessidade de ter a cara do Brasil.

Para esses casos, existe uma punição tremenda: o público abandona os meios que deixam de interessar-lhe, e as empresas morrem. Quem implacavelmente aplica as mais severas penas às publicações que não despertaram para a necessidade de ter a cara do Brasil é o mercado. E a maior pena aplicada pelo mercado é irrecorrível, desconhece embargos infringentes, é perpétua: quem morre por não acompanhar seu público não volta mais.

O exemplo de fora

Há muita gente que discute regulamentação da imprensa, diz que não é censura; o jornalista Paulo Henrique Amorim defende uma Ley de Medios (assim mesmo, em espanhol), como a que existe na Argentina - e lá serviu para sufocar a oposição. Outros debatem a propriedade cruzada dos meios de comunicação - o mesmo grupo possuir, na mesma região, veículos impressos, TV, rádio. Este colunista já foi favorável a este tipo de regulamentação da propriedade cruzada, mas hoje acredita que, com a Internet, tanto faz onde estejam os veículos, pois alcançarão a quem quiser buscá-los. A melhor forma de cuidar da imprensa é provavelmente a adotada pela Primeira Emenda da Constituição americana, que garante também uma série de outras liberdades aos cidadãos:

"O Congresso não votará qualquer lei a respeito do estabelecimento de uma religião, ou da proibição de seu livre exercício; ou de restrição à liberdade de expressão, ou da imprensa; ou do direito das pessoas de se reunirem pacificamente, e de fazerem pedidos ao governo para que sejam feitas reparações de queixas".

Com grande frequência, a liberdade é garantida pela proibição da existência de leis que a protejam, e não por leis que supostamente a garantam.

Como...

Descrição on-line do jogo entre São Paulo e CSA num grande portal noticioso:

"19 min - GOOOOL DO SÃO PAULO! Maicon (...) dá um presente para Alexandre Pato. O zagueiro recebe em posição excepcional e toca para o fundo da rede!"


E foi assim que Pato, centroavante que jogou na Seleção brasileira e até no Corinthians, teve abruptamente trocada sua função em campo e virou zagueiro.

...é...

De uma coluna de autocrítica:

"Diferentemente do publicado (...) o ferro de passar roupa integrado com um aplicativo não existe (...) era uma brincadeira de 1º de abril".


...mesmo?

De um grande jornal impresso, de circulação nacional:

"Istambul - (...) as manifestações na capital da Turquia (...)"


Istambul, com o nome de Constantinopla e Bizâncio, foi capital do Império Romano a partir do século 4; depois, capital do Império Romano do Oriente; depois, do Império Otomano; finalmente, da Turquia. Mas desde 1923 a capital da Turquia é Ancara.

Não notícia

A moda começou bem, para evitar criminalizar pessoas antes de qualquer análise mais precisa. "O criminoso" passou a "suposto criminoso". Depois passou a ser um truque para evitar processos. E acabou sendo usada para frases estranhas:

"Suposto esquartejado tinha problema com sua amante (...)"


Afinal, o cavalheiro tinha ou não sido esquartejado? Será preciso o laudo científico de um perito em Medicina Legal para dar essa resposta?

O pior é que essa notícia teve desdobramentos:

"Filho de suposto esquartejado não crê que pai será encontrado vivo"


Tudo muito bom, tudo muito bem. Mas não é hábito de pessoas esquartejadas, supostamente ou não, esconder-se após o problema de que foram vítimas. Também não costumam ficar vivas, para que as encontrem mais tarde. Em outras palavras, que é que houve?

Frases

De Luciana Gimenez, modelo e apresentadora, mãe de um filho de Mick Jagger:

Foi o Mick Jagger que me usou para ficar famoso no Brasil

Do jornalista e escritor Cláudio Tognolli:

Dilma é tão exigente com metas que fez a Petrobrás chegar ao fundo do poço

Do jornalista Palmério Dória:

O povo precisa de novidades e Eduardo Campos vem aí com Severino Cavalcanti, Inocêncio de Oliveira, Jorge Bornhausen e Heráclito Fortes.

Do jornalista Ricardo Setti, sobre licença de André Vargas para cuidar de interesses particulares:

Fazer lobby para doleiro que depois lhe empresta jatinho já não era cuidar de "interesses particulares"?

Do apresentador e jornalista multimídia Marcelo Tas:

Vamos corrigir. Lula não deu "entrevista" na internet. Diante dos blogueiros frouxos ele fez foi Stand-up Comedy

E eu com isso?

1 - Fernanda Lima se diverte na praia com os filhos

2 - Beyoncé: férias em família na República Dominicana

3 - Thaís Fersoza curte show de Michel Teló em São Paulo

4 - Carla Delevingne passeia com Taylor Swift em NY

5 - Sasha e mais famosos vão ao Fashion Rio

6 - Cassandra Peterson, a Elvira, pode vir ao Brasil

7 - Tainá Muller e Giovanna Antonelli vão desfilar juntas

8 - Clark Kent, de "Smallville", aparece com cabelos grisalhos

9 - Valeska revela que tem mais de cem pares de sapatos

10 - Katty Perry usa look ousado para provocar os fãs

11 - César Filho faz viagem para os EUA com sua família

12 - Miranda Kerr passeia com o filho de Nova York

O grande título

Como disse Chico Buarque, morrer na contramão atrapalha o trânsito:

Caminhão com presos tomba na Marginal Tietê e causa lentidão


O texto dá forte apoio ao título:

"Segundo o Corpo de Bombeiros, dois detentos ficaram feridos. Acidente complicou o trânsito em todas as pistas sentido Castello Branco".

Pelo menos as coisas estão claras: o importante não é haver feridos, mas terem a ousadia de provocar um congestionamento.

O melhor título, porém, não é este. Vem da área política e se refere ao deputado André Vargas. Combina duas informações verdadeiras, mas que nada têm uma com a outra:

Vendedor de pamonha, irmão de Vargas explica suspeitas


Pois é.

CARLOS@BRICKMANN.COM.BR

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