Coluna - Observatório da Imprensa
Boa praça, o senador Delcídio Amaral, do PT sulmatogrossense. Sorridente, afável, de conversa agradável, gentil, sempre pronto a atender aos jornalistas, sempre demonstrando boa vontade com a imprensa. Isso, naturalmente, na primeira página. Nas páginas internas, onde aumenta o volume de informações a respeito do trabalho e das opiniões de Sua Excelência, o cavalheiro derruba o "h", troca os sapatos de pelica por botas de couro cru e calça as esporas.
O nome do problema é Nestor Cerveró. Cerveró foi diretor da área internacional da Petrobras e o demitiram depois de responsabilizá-lo por não ter fornecido informações completas sobre a compra da Refinaria de Pasadena para o Conselho da empresa. Na época em que era o homem-forte da Petrobras, prestigiadíssimo, Delcídio Amaral e Renan Calheiros disputavam a honra de tê-lo indicado. Hoje, só falta garantir que não o conhecem. E é aí que Delcídio despe as roupas de Clark Kent e se transforma num Incrível Hulk com dor de dente.
Delcídio entrou com ação inibitória contra o Correio do Estado, de Campo Grande, para proibi-lo de divulgar qualquer notícia que vincule seu nome ao de Cerveró. Parou por aí. Nada fez contra a Agência Folhapress, que forneceu a notícia ao Correio do Estado; nem contra outros jornais que também publicaram a notícia, como O Globo, Folha de S.Paulo, Estado de Minas, Correio Braziliense. Não quer que a notícia saia no seu Estado - e ainda por cima num ano eleitoral!
O juiz Wagner Mansur Saad, da 12ª Vara Cível de Campo Grande, ameaça multar o jornal em R$ 20 mil a cada vez em que relacionar o nome de Delcídio ao de Cerveró. E quer obrigar o Correio do Estado a revelar a fonte.
Ainda bem que este colunista não se formou em Direito: ficaria perplexo com uma medida que, a seu ver, ignora a inviolabilidade garantida pelo artigo 5 da Constituição (deve ser interpretação errada de leigo, claro - mas que parece certa, isso parece).
Mas a atitude de Delcídio, além de revelar muito sobre ele, revela outras coisas a respeito dos políticos em geral:
1- Todos amam a liberdade de imprensa, enquanto nada é descoberto a seu respeito. Quando viram alvo, continuam amando a liberdade de imprensa, "desde que não se confunda liberdade com libertinagem", ou que os meios de comunicação "não se dediquem a distorcer notícias com finalidades eleitoreiras".
2 - Todos adoram jornalistas enquanto divulgam notícias que possam beneficiá-los. Aquele jornalista maravilhoso de repente se transforma no símbolo vivo do mal absoluto, a quem é preciso conter custe o que custar.
3 - Imprensa tem de ser livre, protegida contra censura - mas nada que impeça regulamentá-la, né? Tem um pessoal aí que adoraria regulamentar a imprensa para que esses jornalistas aprendam a exercer a liberdade com responsabilidade - ou seja, que falem mal o quanto quiserem, quando quiserem, sem limites, mas apenas dos adversários.
O cavalheiro das trevas
O ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal, já foi apontado como o Batman que, sem temor, e com competência, enfrentava os criminosos mais bem postados do país. Batman, um dos mais famosos personagens de histórias em quadrinhos (e depois da TV e do cinema) teve várias fases, desde que foi criado por Bob Kane em 1936. Uma delas, sob o comando de Frank Miller, recebeu o título O Cavaleiro das Trevas.
A vida muitas vezes imita a arte. Joaquim Barbosa lança agora a força de seu prestígio na regulamentação dos meios de comunicação - eufemismo tantas vezes usado para evitar a feia palavra "censura". Regulamentação é mais bonito. E qual a queixa de Barbosa? Diz ele que falta diversidade ideológica e racial a jornais e emissoras de televisão do país.
Considerando-se que entre os homens só existe uma raça, a raça humana, seria curioso discutir a tal "diversidade racial". Talvez o meritíssimo se refira a etnias, ou à cor da pele; mas lembrando que Oliveiros S. Ferreira, Frederick Heller, Nicolàs Boer exerceram o poder ao mesmo tempo naquele que era o jornal mais importante do Brasil; que um muçulmano descendente de sírios é o comandante do jornalismo do maior meio de comunicação do país - e por seus próprios méritos, fartamente comprovados; que a imprensa não economizou elogios ao ministro negro que presidia o Supremo Tribunal Federal; pedir diversidade étnica talvez seja chover no molhado. Quanto à diversidade ideológica, há de tudo na praça. Alguns meios de comunicação se tornaram maiores e mais importantes do que outros; mas será que a preferência do público nada tem a ver com isso?
Joaquim Barbosa presta a homenagem à liberdade de imprensa de todos os adversários da liberdade de imprensa: diz que a tal regulamentação não é uma forma de censura. Na opinião de Sua Excelência, "a comunicação no Brasil é muito quadradinha"; que muitas organizações não despertaram para a necessidade de ter a cara do Brasil.
Para esses casos, existe uma punição tremenda: o público abandona os meios que deixam de interessar-lhe, e as empresas morrem. Quem implacavelmente aplica as mais severas penas às publicações que não despertaram para a necessidade de ter a cara do Brasil é o mercado. E a maior pena aplicada pelo mercado é irrecorrível, desconhece embargos infringentes, é perpétua: quem morre por não acompanhar seu público não volta mais.
O exemplo de fora
Há muita gente que discute regulamentação da imprensa, diz que não é censura; o jornalista Paulo Henrique Amorim defende uma Ley de Medios (assim mesmo, em espanhol), como a que existe na Argentina - e lá serviu para sufocar a oposição. Outros debatem a propriedade cruzada dos meios de comunicação - o mesmo grupo possuir, na mesma região, veículos impressos, TV, rádio. Este colunista já foi favorável a este tipo de regulamentação da propriedade cruzada, mas hoje acredita que, com a Internet, tanto faz onde estejam os veículos, pois alcançarão a quem quiser buscá-los. A melhor forma de cuidar da imprensa é provavelmente a adotada pela Primeira Emenda da Constituição americana, que garante também uma série de outras liberdades aos cidadãos:
"O Congresso não votará qualquer lei a respeito do estabelecimento de uma religião, ou da proibição de seu livre exercício; ou de restrição à liberdade de expressão, ou da imprensa; ou do direito das pessoas de se reunirem pacificamente, e de fazerem pedidos ao governo para que sejam feitas reparações de queixas".
Com grande frequência, a liberdade é garantida pela proibição da existência de leis que a protejam, e não por leis que supostamente a garantam.
Como...
Descrição on-line do jogo entre São Paulo e CSA num grande portal noticioso: