Coluna - Observatório da Imprensa
É uma notícia fantástica, publicada num grande e importante jornal impresso: fala de um relatório da Polícia Federal sobre "as andanças de Fábio Luiz Lula da Silva", filho do ex-presidente Lula, em Foz do Iguaçu; e os encontros que manteve com diretores da Itaipu Binacional, incluindo um amigo da família, Jorge Samek. Houve alguma irregularidade? O relatório não menciona crime algum. Mas, na cópia a que "a reportagem teve acesso" (traduzindo: alguma autoridade com algum interesse no caso a vazou), há a indicação de "confidencial". O comentário, também citado pela reportagem, é de que o relatório foi classificado pela Polícia Federal como "caso de enriquecimento ilícito". E de que se trata o tal enriquecimento ilícito? O relatório não diz. O vazamento, devidamente amplificado pelos meios de comunicação, também não diz - mas o tom acusatório do documento "a que a reportagem teve acesso" diz tudo o que não é dito.
Em resumo, é o nada transformado em tudo, graças não a informações, mas ao tom agressivo do texto. Fica aquela ideia de que "alguma coisa deve ter acontecido", que "a imprensa sabe de alguma coisa a mais mas não pode publicar porque está censurada", e bobagens do mesmo tipo. A notícia é falsa? Pode até não ser; mas, do jeito que está, não há qualquer justificativa para publicá-la.
E, por falar em nada transformado em tudo, as hordas virtuais de militantes do PT batem o tempo todo na tecla de que o candidato do PSDB à Presidência, Aécio Neves, é "traficante de cocaína" (e "traficante da pesada"). Alguma prova, algum indício? Nenhum - apenas a afirmação. Quando apertados, os militantes costumam falar no helicóptero pertencente à família Perrella, no qual foi apreendida quase meia tonelada de cocaína. E que é que tem Aécio a ver com Perrella? São amigos, explicam. São no mínimo conhecidos, é verdade; com certeza se chamam pelo primeiro nome ou por apelidos, se tratam com cordialidade. Mas Zezé Perrella, o chefe da família, pertence ao PDT, partido que apoia a presidente Dilma Rousseff. As mesmas ilações podem ser feitas de um lado ou de outro. E ambas, claro, são besteira, baixaria pura, coisa de gente ordinária que quer ganhar as eleições a qualquer custo.
Este colunista não conhece pessoalmente o filho de Lula, Fábio Luiz, nem Aécio, nem Dilma (e só sabia quem é Perrella por ter sido presidente do Cruzeiro). Mas acompanha política o suficiente para saber que, excetuando-se os fundamentalistas de Facebook, nada impede que adversários ideológicos tenham bom relacionamento pessoal. Mauro Santayana, jornalista brilhante, de texto esplêndido, é esquerdista a tal ponto que foi aceito para trabalhar na Rádio Havana, como chefe do setor de transmissões em português; isso não o impediu de trabalhar com o governador mineiro Tancredo Neves, moderado até no seu radicalismo de centro, e de exercer grande papel nas articulações que o levaram a eleger-se presidente da República. Roberto Jefferson e Pedro Abrão, conservadores, sempre se entenderam muito bem com Marta Suplicy.
Isto é política: é preciso manter contatos e colocar o futuro acima de diferenças pessoais e/ou ideológicas, sem medo e sem ódio. Tancredo e Magalhães Pinto, adversários permanentes na política mineira, se uniram para formar um partido que pudesse servir de fiel da balança entre PMDB e PDS. Adversários, sim; mas ambos moravam no mesmo e magnífico prédio à beira-mar, no Rio de Janeiro, sempre que estavam por lá, e juntos tomavam aquele café ralinho, adoçado com rapadura e acompanhado por bons pães de queijo, quentinhos. Ganhar eleições é importante, é a função primeira de um político e de um partido; mas sempre deixando a possibilidade de tornar-se uma oposição leal, quando se é derrotado. O rancor é péssimo conselheiro.
Lembremos John McCain, ao reconhecer a vitória de seu rival Barack Obama: "Até agora ele era meu adversário. De agora em diante é meu presidente".
Linha de tiro
Juca Kfouri relatou de maneira simpática um encontro de repórteres esportivos com a presidente Dilma Rousseff. Foi o suficiente: encheram sua caixa de e-mails de insultos por ter "aderido", ou por "ser tucano e tentar infiltrar-se". Não se levantou a hipótese de ter relatado o encontro de maneira simpática porque o encontro tenha sido produtivo, ou agradável, ou porque a presidente tenha se comportado simpaticamente. Há muita gente, inclusive nas campanhas, achando que tudo que se faça contra os adversários é eticamente defensável. Mesmo que o nível baixe até o mais profundo abismo dos oceanos.
Chega de perseguição 1
O antigo secretário da Segurança de São Paulo, Antônio Ferreira Pinto, hoje abrigado sob as asas da Fiesp, acaba de perder por unanimidade, no Tribunal de Justiça, o processo que moveu contra o bom repórter Fábio Pannunzio, da Rede Bandeirantes. Apanhou e não tem mais apelações possíveis: é engolir calado o pó da derrota e coçar o bolso para pagar o advogado de Pannunzio.
Ferreira Pinto se notabilizou pelo estilo agressivo de comandar a Secretaria da Segurança - agressivo e, como se comprova pela sensação de insegurança vigente no Estado, inoperante. Notabilizou-se também por negar a força do crime organizado (a seu ver, o PCC se limitava a meia dúzia de líderes, todos presos e neutralizados) e por, durante uma guerra em que bandidos saíram às ruas atirando em policiais, ter ido a Buenos Aires para assistir a um jogo de futebol.
Após deixar a Secretaria da Segurança, Ferreira Pinto entrou no PMDB, foi trabalhar na Fiesp com o candidato do partido ao Governo, Paulo Skaf (que disputa contra seu antigo líder, Geraldo Alckmin), e diz que será candidato a deputado.
Que tenha boa sorte. E aprenda que perseguir jornalistas corretos não é uma boa política.
Chega de perseguição 2
Por falar em perseguição, há um caso notável em curso. O conselheiro Robson Marinho, do Tribunal de Contas do Estado, antigo homem-forte do Governo Mário Covas (que inaugurou a dinastia tucana até hoje no poder em São Paulo), está sendo acusado de ter obtido vantagens indevidas de empresas encarregadas da construção do Metrô e de trens metropolitanos. Há um bloqueio de conta bancária do conselheiro na Suíça, há uma série de denúncias. E uma rede de TV, investigando o caso, chegou a uma belíssima casa, de sua propriedade. A casa, dizem as reportagens, foi vendida a Robson Marinho com valor declarado equivalente a metade do valor venal; e quitada com uma nota promissória que venceria dez meses mais tarde.
Bom, a casa citada pertenceu, em outra época, a um consultor de empresas do setor metroferroviário, Arthur Teixeira, que também vem sendo investigado. E a rede de TV resolveu conectar os dois casos. Acontece que:
1 - A casa efetivamente pertenceu a Teixeira, que nela morou por dez anos. Ela a colocou à venda por meio de uma grande empresa imobiliária. Dois anos depois, a venda foi efetivada. Uma parte do preço foi paga com um apartamento, no qual Teixeira morou por mais dez anos.
2 - Três anos após a venda (e, portanto, cinco após a decisão de Teixeira de negociá-la) o comprador resolveu colocá-la no mercado. E o comprador foi Robson Marinho. Teixeira há muito tempo já não era dono da casa, não tinha nada com isso. Não tinha motivo nem para saber a quem o proprietário que lhe comprara a casa a estava agora vendendo. Qual o preço, a forma de pagamento, a negociação, tudo ficou entre o proprietário e o comprador.
3 - Qual a relação entre Teixeira e Marinho, na negociação da casa? Nenhuma. Tanto não era nenhuma que a emissora não procurou o cavalheiro que a havia comprado e que fizera a venda a Marinho. Ele, que poderia esclarecer tudo sobre o preço de venda real, o preço declarado (se diferente do real), as condições de pagamento, foi completamente ignorado. E as perguntas foram feitas a quem já não era dono do imóvel na época do negócio.
Final da história: a notícia foi veiculada em 6 minutos e 28 segundos. Teixeira foi citado em 2m20s. E sua explicação foi comprimida em 22 segundos - com direito a caras e bocas dos apresentadores, que procuraram demonstrar que não acreditavam nela. Seria a explicação tão impossível assim?
Talvez não. Quando este colunista se mudou para São Paulo, na época em que nem TV a lenha ainda existia, foi morar numa casa bem velhinha, e lá ficou por 15 ou 16 anos. Recentemente, soube que a casa foi tombada (há quem diga que, em eras ainda mais priscas, quando nem rádio a lenha era conhecido, alguma personalidade morou lá). Qual a relação entre esta figura ilustre e o digitador de textos que agora vos escreve? Pois é - e, no entanto, gastou-se tempo de TV, agora colorida e com LEDs, para tentar destruir a reputação de uma pessoa, num caso em que rigorosamente ela não tem nada com o peixe.
Ao mestre
Reserve a data: nesta quarta, 28, com início às 18h, no Largo de São Francisco, 95, 1º andar, SP, lançamento de um livro em homenagem ao professor Miguel Reale Jr., que acaba de se aposentar após mais de 40 anos de bons serviços prestados ao Direito. O livro teve a coordenação de Janaína Paschoal e Renato de Mello Jorge Silveira.
Vale a pena, não apenas pela presença do professor Miguel Reale e dos coordenadores do livro-homenagem, mas também pela presença certa dos principais operadores do Direito em São Paulo e em todo o país.
O primeiro meio século
Faz tempo: quando este colunista o conheceu, Ricardo Kotscho era um magricelinha cabeludo, sempre com um cigarro na boca. Já tinha algumas das características que mantém até hoje: pau pra toda obra, bem-humorado, cordial, louco para descobrir boas histórias e escrevê-las. Já era portador, também, de alguns defeitos permanentes: são-paulino, era capaz de garantir que Terto era o novo Garrincha, tão bom pela direita quanto Paraná pela esquerda. Faz tempo.
Agora, no dia 30, às 15h, na Cásper Libero (Avenida Paulista, 900, São Paulo- SP), Sala Aloysio Biondi, um seminário comemora os 50 anos de reportagem de Ricardo Kotscho. Bons debatedores, gente que fez história no jornalismo: Audálio Dantas, Jorge Araújo, Hélio Campos Mello, Clóvis Rossi, o próprio Kotscho. E uma profissional altamente qualificada, mas bem mais jovem: Eliane Brum. A moderadora é Mariana Kotscho, filha de Ricardo, boa repórter e apresentadora do programa Papo de Mãe. Quem quiser saber de verdade como é o jornalismo não pode perder.
O Claudius de sempre
Nos tempos mais difíceis da ditadura, Claudius Ceccon - ou simplesmente Claudius - era uma das janelas por onde podíamos respirar. No Pasquim, no Jornal do Brasil, seu esplêndido traço, suas tiradas profundas e bem-humoradas o puseram em destaque - e a concorrência era imensa, com Henfil, Millôr, Lan, Jaguar, Angeli, Nani, Ique, sempre um pessoal de primeiro time. Surge agora uma oportunidade única de apreciar todo o trabalho de Claudius: até 27 de julho, no SESC Santo Amaro, rua Amador Bueno, 505, SP, uma tremenda exposição, Quixote do Humor, com entrada gratuita. De terça a sexta, das 11 às 21h. Sábados, domingos e feriados, das 10 às 18h.
Uma prévia da exposição está nesse link: http://www.superuber.com.br/exposicao-claudius-quixote-do-humor/
Boas charges
Trágico e Cômico - os protestos em charges. Neste livro, Diogo Salles promete chacoalhar as certezas de seus leitores. Dia 28, às 18h30, na Livraria da Vila da avenida Moema, 493.
Como...
De um grande jornal impresso, sobre o golpe militar na Tailândia: