Coluna - Observatório da Imprensa
Dificilmente Marco Antônio terá dito frase semelhante no enterro real de César; mas teve em Shakespeare alguém que supriu esta falha. "O mal que os homens fazem sobrevive a eles. O bem é muitas vezes enterrado com seus ossos" (Júlio César, ato 3, cena 2, O Fórum). Bela frase, inesquecível. Tanto que, mais de 400 anos depois, The Evil That Men Do abre um single de sucesso da Iron Maiden, banda inglesa de heavy metal.
Joaquim Barbosa fez coisas boas: criou condições para que o Mensalão fosse julgado, mostrou à população que gente poderosa também podia ser punida quando violasse as leis. Este é o bem que fez, e que pode ser enterrado com sua aposentadoria: sem ele, ao menos os condenados da área política vão dar um jeito de abreviar as punições. E até o efeito-exemplo funcionará ao contrário: nas raras ocasiões em que poderosos sofreram a ação da Justiça, houve um contravapor que fez com que se livrassem de tudo (e, claro, haverá a lenda urbana do Joaquim Sem Medo que, derrotado ao enfrentar as forças do Mal, preferiu deixar o comando do Poder Judiciário). Claro ficará que, entre a Lei e o Poder, o Poder vence e a Lei se submete.
Joaquim Barbosa fez coisas ruins. Mostrou-se prepotente, arrogante, recusando-se a dialogar com as associações de magistrados, tratando mal advogados que o procuravam, chamando para o desforço físico um colega idoso (o ministro Eros Grau), batendo boca com outros ministros do Supremo, tentando proibir que um ministro aposentado do STF, Maurício Correia, trabalhando como advogado, tivesse acesso ao Tribunal - foi levado à Justiça e se rendeu, batido. Odiava jornalistas: procurado pelo repórter Felipe Recondo, do O Estado de S.Paulo, que lhe fez uma pergunta absolutamente razoável e educada, mandou-o "chafurdar no lixo". Mais tarde, sua assessoria (não ele, como seria razoável; mas gente fina não se mistura com ralé) disse que o ministro estava de péssimo humor em consequência de fortes e contínuas dores nas costas. Tudo bem - só que, algum tempo depois, pediu ao ministro Ricardo Lewandowski que demitisse a esposa de Recondo, funcionária de seu gabinete. Talvez tivesse motivos para não gostar de Recondo, mas o ódio deveria estender-se à família do repórter?
Recondo não foi o único: Barbosa lançou-se também contra o jornalista Ricardo Noblat, uma referência da profissão, que não tremeu nem quando teve de enfrentar a ira do então todo-poderoso presidente Fernando Collor, que queria sua cabeça. Está processando Noblat por racismo - justo Noblat, que tem história? Quem leu o artigo em que Noblat fala do ministro não viu racismo nenhum.
Houve momentos em que leigos em Direito como este colunista identificaram a possibilidade de busca de atritos de Joaquim Barbosa com os réus do Mensalão. Não é difícil entender: houve provocações contínuas ao ministro, que chegaram ao desrespeito. Houve uma tentativa canhestra de transformar réus em juízes e juízes em réus. Houve uma tentativa de personalizar o debate: réus condenados pelo plenário atribuíam a culpa exclusivamente ao presidente do Supremo. Malucos baderneiros como um tal Pilha, assessor de uma deputada distrital petista, correram atrás dele na rua, gritando slogans e ofensas. Um personagem tosco, patético, aproveitando as imunidades que lhe foram outorgadas para exercer seu mandato, provocou-o grosseiramente no plenário da Câmara.
Tudo isso é verdade; mas cabe ao magistrado, principalmente ao presidente do tribunal que encabeça o Poder Judiciário, ser frio o suficiente para aguentar provocações. Ele é a autoridade; cabe a ele impor-se sem necessidade de replicar a insultos, de devolver impropérios, de mergulhar no clima geral de bagunça. Pareceu - ao menos a este colunista, que, é preciso repetir, só sabe de Direito onde fica o Largo de São Francisco - que certas decisões buscavam humilhar os réus, não apenas a mantê-los dentro das estritas determinações legais. Este colunista torce para estar errado, mas esta foi a impressão que lhe foi causada pela proibição total de trabalho externo para os condenados do Mensalão. Não permitir que um Delúbio Soares trabalhe na CUT, onde é o rei da cocada preta, vá lá; mas impedi-lo de trabalhar em qualquer lugar deveria ser mais bem explicado.
Qual o futuro de Joaquim Barbosa, depois de deixar o Supremo? Despido de poder, que farão aqueles que se sentem com motivos para desafiá-lo?
É difícil dizer. Há certa convicção de que Barbosa virou uma espécie de herói popular, um Batman de toga que desassombradamente combate o crime, e que essa aura o protegerá. Pode ser; mas Shakespeare, que enxergava o âmago do ser humano, lembrava que o mal que os homens fazem a tudo sobrevive.
O novo astro
Ricardo Lewandowski deve assumir a presidência do Supremo mais cedo, com a aposentadoria de Joaquim Barbosa. Muda o estilo: Lewandowski não parece explosivo, evita a administração por conflito, trata com cortesia magistrados, advogados e jornalistas.
Cuidado, porém: retornando a Shakespeare, é mais fácil obter o que se deseja com um sorriso do que com a ponta da espada.
As vítimas de sempre
Lewandowski não brigou com jornalistas nem quando, num bar, andou falando num celular mais alto do que imaginava e mais perto do que imaginava de uma repórter. Mas manifestou certos sentimentos que, com o poder de presidente do Supremo, talvez aflorem com facilidade. Para ele, no telefonema, "a mídia" botou a faca no pescoço dos ministros na votação do Mensalão. É um raciocínio perigoso por dois motivos: primeiro, por achar que homens poderosos, bem pagos, com emprego e salário garantidos, com proteção policial permanente, com uma série de vantagens inerentes ao cargo, são facilmente pressionáveis pelo que é publicado; segundo, por apressar-se em botar a culpa na imprensa.
Tenhamos esperança, pois; mas jornalista sempre tem uma vida mais saudável quando desconfia do que vem pela frente. E isso se vier pela frente.
Unanimidade
Faz muito, muito tempo. Todos os anos, os novos cadetes da FAB recebiam seus espadins na Base Aérea de Piraçununga, SP, entregues pelo presidente da República (sempre um general). Como o presidente ia, os repórteres iam também, sabe-se lá o que poderia acontecer. Oficiais ficavam em bons alojamentos, com ar condicionado, um bufezinho bem montado, bebidas geladas; os jornalistas ficavam num cercado, com guardas em volta, debaixo do sol, assistindo àquelas coisas chatíssimas de que só milico é capaz de gostar, como levantar as espadas, baixar as espadas, bater uma bota na outra, embainhar as espadas, etc.
Matéria? Nenhuma. Ninguém dava entrevista, ninguém sequer olhava para os jornalistas, exceção feita aos guardas. E mais chata do que aquela cerimônia só mesmo a descrição da cerimônia.
Um dia, alguém comentou, enquanto o avião do presidente se preparava para pousar: "Puxa, bem que isso podia cair, que aí dava matéria". João Russo, grande jornalista, repórter de primeiríssima, bateu de primeira: "Eles aqui festejando e nós querendo um acidente. É por isso que eles não gostam de nós".
Eles - e tanta gente mais! Jorge Luís Borges, o grande escritor argentino, considerava os jornais "museus de minúcias efêmeras". E a imprensa em geral, para ele, era um dos piores males dos homens, "já que tendia a multiplicar até a vertigem textos desnecessários" (O Livro de Areia). Adlai Stevenson, importante homem público americano, duas vezes candidato à Presidência pelo Partido Democrático (em ambas foi derrotado por Eisenhower), dizia que a função do editor era separar o joio do trigo, e publicar o joio. Oscar Wilde admirava a função do jornalismo: "Ele nos mantém em dia com a ignorância da comunidade".
E Eça de Queiroz, na Correspondência de Fradique Mendes, vai fundo: "O jornal exerce todas as funções do defunto Satanás, de quem herdou a ubiquidade; e é não só o pai da mentira, mas o pai da discórdia."
Não se iluda, caro colega: há gente importante que diz adorar jornalistas, há gente importante que se manifesta em favor de jornalistas perseguidos, mas também é essa gente que se diverte quando jornalistas têm problemas.
O mundo real
OK, OK, os argumentos são os de sempre: quem vota na extrema direita para o Parlamento europeu não é exatamente a favor da extrema direita, mas de algumas de suas teses. Uns gostariam de restrições à imigração, outros acham que o Euro prejudicou seu poder de compra, há quem considere que a União Europeia deve ser extinta, ou ter seus objetivos reduzidos. E na hora de votações importantes, em seu próprio país, todos votam com mais consciência e ponderação.
Mas há fatos que não comportam interpretações bondosas: têm de ser considerados sempre pelo pior aspecto que apresentem, já que é geralmente o que vai prevalecer. Os dirigentes da Inglaterra e da França acreditaram em Hitler quando disse que só queria dar aos descendentes de alemães que viviam na Tchecoslováquia o direito de não se submeter às leis e ao Governo dos tchecos. Assinaram o Acordo de Munique, dando à Alemanha nazista um pedaço da Tchecoslováquia e proclamaram ter alcançado "paz para o nosso tempo". Winston Churchill, sempre lúcido, disse que, entre a guerra e a desonra, o Governo inglês tinha escolhido a desonra. E teria a guerra.
Acertou: não demorou quase nada e começou a Segunda Guerra Mundial.
Pois bem: as eleições para o Parlamento europeu mostraram crescimento exponencial de partidos de extrema direita (alguns, como o grego Aurora Dourada, declaradamente nazistas). Em seguida, houve o atentado em que morreram três pessoas no Museu Judaico de Bruxelas e judeus franceses que se vestiam de acordo com os costumes ortodoxos (chapéu,sobretudo) foram espancados na rua.
Os jornais brasileiros, no dia seguinte, mal trataram do assunto. Nem o Estadão, tradicionalmente forte em política internacional, apresentou pautas substanciosas. Parece incrível, mas um fato que pode ser de importância decisiva para o mundo inteiro - o nazismo foi derrotado na guerra, mas manteve sementes até mesmo em nosso país - simplesmente foi ignorado pelos meios de comunicação do Brasil.
Música, do poema à grosseria
André Midani, francês nascido na Síria que se transformou num dos maiores responsáveis pela expansão internacional da música brasileira, escreveu um grande livro (Música, Ídolos e Poder - do vinil ao download), contando, entre outras coisas, como letras de Vinícius, Chico, Dolores Duran e tantos outros foram substituídas, com o passar dos anos, por coisas de baixíssima qualidade. O livro, a pedido da família de um cavalheiro que não gostou de uma história sobre ele, foi censurado. Mas é interessantíssimo: aqui, o link postado por Cristiane-tavares.blogspot.com (se aparecer a mensagem "ocorreu um erro", não se incomode: clique o ícone Seguir Link): Fique por dentro: Livro censurado de André Midani está disponível para download, http://cristiane-tavares.blogspot.com.br/2012/03/livro-censurado-de-andre-midani-esta.html?spref=fb
André conta como é que o jabá (de jabaculê, ou propina) passou a influenciar pesadamente a divulgação das músicas nos meios de comunicação. Excelente!
A campanha decifrada
Gaudêncio Torquato, articulista de peso,um dos pioneiros do marketing político brasileiro, especialista reconhecido, lança seu livro mais recente: Novo Manual de Marketing Político. E na hora certa: com a campanha eleitoral correndo solta em todo o país, é uma excelente oportunidade de atualizar conhecimentos sobre o tema.
Volta ao lar
Walter Feldman é surpreendente: médico de formação e longo exercício profissional, dedicou boa parte de seu tempo à política. Deputado federal, decidiu deixar o PSDB para apoiar Marina Silva na Rede-PSB - e, ao contrário do que é habitual no país, deixou também o mandato. Eleito pelos tucanos, decidiu que não deveria levar seu mandato para outro partido. E surpreende de novo, ao retornar em grande estilo à literatura médica: neste dia 4, lança na Livraria Cultura Iguatemi, SP, a partir da 18h30, o livro Vitamina D e Esclerose Múltipla - a chave brasileira das doenças autoimunes. Não se trata de um livro para o público em geral: é para médicos, cientistas e pessoas interessadas especialmente em doenças autoimunes.
Como...
Sim, houve apenas um erro de digitação. Mas ficou engraçado, especialmente por estar num jornal impresso: