Coluna - Observatório da Imprensa
Eduardo Campos, candidato do PSB à Presidência da República, disse que seus gastos de campanha poderão alcançar R$ 150 milhões. Dilma e Aécio pretendem realizar despesas maiores: perto de R$ 300 milhões cada um. Pouco depois de seu anúncio, os três principais candidatos ao Governo paulista forneceram suas previsões: Geraldo Alckmin, PSDB, candidato à reeleição, R$ 90 milhões; Paulo Skaf, PMDB, R$ 95 milhões; Alexandre Padilha, PT, R$ 92 milhões.
São números estranhos: precisando fazer muito mais viagens, muito mais longas, para atingir quase o quíntuplo de eleitores em todo o território brasileiro, Campos admite gastos de R$ 150 milhões. Para atingir 22% do eleitorado num território muito menor, com viagens bem mais baratas, cada um dos pretendentes ao Governo paulista pretende gastar mais de 60% do orçamento do candidato presidencial importante que planeja a campanha mais barata (e cerca de 30% das despesas dos candidatos à Presidência que se propõem a gastos maiores).
E se a incongruência fosse só essa, vá lá. Mas há outro aspecto: cada voto para deputado, em São Paulo, exige um investimento de no mínimo R$ 30 (há exceções, para candidatos já conhecidos, ou que dominam um nicho do eleitorado - gente como Tiririca, por exemplo, ou um dirigente sindical com boa base). Um deputado federal com 200 mil votos terá gasto algo como R$ 6 milhões. Como é que pretendem os candidatos chegar ao Governo com gastos como estes que anunciaram?
Traduzindo, esses números são calculados pela Shoot Foundation, auditados pela empresa especializada Consigliori Embromativi, e valem tanto quanto as promessas da campanha cujos custos pretendem traduzir. Como os partidos estão entre os principais fiscais uns dos outros, tudo bem: um não acusa o outro para não ser acusado. E, não tenha dúvida, toda a contabilidade é muito bem feita. Não se pode, portanto, esquecer que nunca se mente tanto quanto antes de uma campanha, durante os comícios e depois de eleito.
Quem pode romper a blindagem da contabilidade criativa somos nós, jornalistas. O trabalho é difícil, extenuante, caro; exige um tipo de assessoria que nem sempre as empresas estão em condições de fornecer. Exige minucioso trabalho investigativo a respeito dos gastos e do que se obtém em troca; exige duro trabalho braçal para pesquisar o valor de itens oficialmente cedidos sem ônus (mas que devem ser contabilizados) como sedes de campanha, automóveis, seguros, jatinhos emprestados, etc.
E pode ser perigoso: o terreno do Caixa 2 é minado e os administradores dos recursos não contabilizados, sempre gente poderosa, raramente estão dispostos a ser desmascarados e a enfrentar processos. Mas, como no caso dos médicos que são acordados de madrugada para atender emergências, essa é a profissão que escolhemos. Podemos exercê-la ou não.
Um detalhe extra: o jornalista Ucho Haddad, em seu corajoso blog www.ucho.info, calcula em R$ 100 milhões o custo de uma campanha para a Prefeitura de São Paulo. Se para chegar à Prefeitura da Capital o gasto é de R$ 100 milhões, como é que para chegar ao Governo do Estado os candidatos preveem gastos menores?
Há algumas décadas, o repórter Ricardo Kotscho mergulhou nos bastidores do Governo e mostrou como funcionavam as mordomias, privilégios concedidos aos amigos dos governantes e a suas equipes de, digamos, trabalho. Hoje, é hora de repetir esse esforço, tentando decifrar os custos de campanhas eleitorais. Algum jornalista conseguirá convencer seus empregadores de que uma reportagem desse tipo, difícil e custosa, fará com que tanto seu autor como o veículo que a divulgar entrem na História do bom jornalismo?
Lições de abismo
Que feio! Uma jornalista que se apresenta como "militantes dos direitos humanos" e é candidata pelo PT à Assembleia gaúcha postou em seu Twitter uma série de mensagens ferozes contra o jogador colombiano Zuñiga, que numa entrada violenta, mas não incomum no futebol, tirou da Copa o atacante Neymar. Entre as mensagens da "militante dos direitos humanos", uma deseja a Zúñiga "o mesmo fim do Escobar" - provavelmente Pablo Escobar, dirigente de um cartel colombiano de narcotráfico, assassinado por criminosos de bandos rivais. Sugere também que os brasileiros não permitam que Zúñiga "saia vivo do país".
Zúniga foi violento? Foi. Teve a intenção de quebrar Neymar? Provavelmente não. Merecia punição mais grave que a marcação da falta? Sim - este colunista lhe daria um cartão amarelo (e há quem preferisse o vermelho). Mas daí a desejar que seja assassinado vai uma certa diferença.
A feroz se explica
Em outro tweet, a jornalista-candidata diz que não se importa com a opinião de cidadãos que não sejam seus eleitores. Que doçura de alma!
Anatomia da barriga
Um grande jornal já criticou a Associação de Pais e Amigos de Excepcionais por mimar essas crianças que, dotadas de qualidades excepcionais em áreas como declamação, canto, dança e outras correlatas, são chatíssimas e já encontram mimo mais do que excessivo na família e entre os amigos da família. Não, o jornal ainda não conhecia o termo na acepção atual, de pessoas excepcionalmente desprovidas de habilidades corriqueiras e que necessitam de ajuda permanente.
Outro jornal, seguindo a manada (que, na época, relacionava os militares, todos, com as ditaduras), desancou o general peruano Velasco Alvarado, que chegara à Presidência da República a bordo de um golpe de Estado. Acusava-o de ser "gorila", "reaça", essas coisas ("coxinha" não, que esta é um expressão mais recente). Só que Velasco Alvarado era uma prévia de Hugo Chavez, um bolivariano que ainda não sabia que os bolivarianos existiam. O jornal logo descobriu quem ele era, mas esqueceu com todo o carinho a matéria que o colocou do lado errado.
Três jornalistas importantes contam esses casos e outros - especialmente os ocorridos com eles mesmos - no próximo congresso da Abraji, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, de 24 a 26 de julho, em São Paulo (inscrições entre R$ 250 e R$ 550, pelo endereço eletrônico http://abraji.org.br/congresso). Participam Heródoto Barbeiro, professor universitário, apresentador da Rede Record, Suzana Singer, até o início do ano ombudsman da Folha e Clóvis Rossi, da Folha. Eles concordam em dois pontos: todos os jornalistas, jovens e velhos, cometem suas barrigas - inclusive eles. E, sabendo-se que os erros são inevitáveis, o importante é assumi-los publicamente e corrigir as falhas.
Que os deuses do jornalismo lhes permitam agir sempre assim.
Histórias de jornalismo
O caro leitor certamente desculpará o uso de certas palavras normalmente não utilizadas nesta coluna: no caso, são essenciais para a belíssima história que nos é contada pela jornalista e escritora Laurisa Nutting, de Fortaleza.
Heribaldo Costa, professor, jurista ilustre, era inimigo do diretor do Diário do Povo, de Fortaleza, Jáder de Carvalho (pai do jornalista e ex-senador Cid Carvalho). O jornal assim noticiou sua volta de uma viagem: "Chegou da Europa o ilustre professor Hericaldo Bosta". O professor entrou na Justiça e o jornal foi condenado a se retratar na primeira página. Jader de Carvalho escreveu uma alentada nota de retratação:
"Esse jornal, sem querer, por equívoco gráfico, cometeu um erro imperdoável. Chamou de Hericaldo Bosta o ilustre professor de nossa Faculdade de Direito. Sabem os leitores que jamais este jornal poderia chamar de Hericaldo Bosta um intelectual do nível e do renome do ilustre professor da Faculdade de Direito. Até porque jamais soubemos que o ilustre mestre se chamasse Hericaldo Bosta.
"Mas errar o nome de personalidades ocorre em todos os jornais do mundo. Acabamos chamando de Hericaldo Bosta o venerando catedrático da Faculdade de Direito. Cumprindo determinação judicial, estamos nos desculpando e informando aos leitores que, em vez de Hericaldo Bosta, o verdadeiro nome do distinto professor é Heribosta Caldo."
Heribaldo Costa pegou um revólver e foi ao jornal matar o diretor Jáder de Carvalho. Não deixaram.
Como...
Slogan de campanha eleitoral, num cartaz distribuído na convenção do PSDB (o partido dele!)