Coluna - Observatório da Imprensa
Nos tempos em que os jornais matutinos não circulavam às segundas-feiras, O Estado de S.Paulo publicou na terça, como manchete, um fato ocorrido no domingo. Explicação (na época, indiscutível): o jornal é também um registro da História, não pode pular um fato só porque deixou de publicar uma edição.
Faz tempo, faz tempo. Há muitos anos os matutinos circulam todos os dias. Há muitos anos os jornais deixaram de ser os únicos registros diários da História. Mas ainda hoje privilegiam notícias antigas em detrimento das novas.
Por volta das seis da tarde de domingo, a população brasileira inteirinha sabia que a Alemanha tinha ganho a Copa. Boa parte assistiu ao jogo; outra parte soube por amigos, viu os melhores momentos, viu os gols, acompanhou as entrevistas, a entrega da Taça, o mau-humor de Messi, ouviu o rádio, soube de fatos e comentários pela Internet. No dia seguinte, por volta de seis da manhã - doze horas mais tarde, portanto - os principais jornais brasileiros informavam seu público de que a Alemanha tinha ganho a Taça do Mundo.
E, no entanto, tinham uma notícia muito mais nova: perto da meia-noite, a Rede Globo informou que o técnico Luiz Felipe Scolari tinha sido demitido e a Seleção buscava novo treinador. Com Felipão, tinham caído todos os seus auxiliares e o supervisor Carlos Alberto Parreira; e Parreira anunciava que, depois de integrar o comando da Seleção brasileira desde 1970, tendo sido campeão do mundo em 1994, deixava o mundo do futebol.
A notícia estava nos jornais - lá dentro, pequena. Era a única novidade do dia. E perdia longe para o destaque da notícia velha, o triunfo alemão.
Não é um problema apenas da Copa. Embora os tempos de "se a Gazeta Esportiva não deu, ninguém sabe o que aconteceu" já estejam num passado longínquo, os jornais impressos ainda não souberam como lidar com o futebol. O resultado é sempre divulgado como se fosse novidade, e novidade é o que não é. O Jornal da Tarde chegou perto de uma solução, buscando as side-stories, acompanhando o jogo ao lado da família dos astros, entrevistando a namorada do artilheiro do jogo, compondo um panorama geral da partida - o que incluía também as reportagens de bastidores do ótimo Vital Battaglia, a valorização das grandes fotos.
Foi a época em que Domício Pinheiro fotografou a perna do centro-avante Mirandinha no momento em que era quebrada, e assumia a forma de um semicírculo; foi a época em que Reginaldo Manente registrou a derrota do Brasil no Estádio de Sarriá com a fantástica foto do garoto chorando, que ocupou toda a primeira página. Era difícil? O meticuloso e competente Mário Marinho, por muito tempo editor de Esportes do JT, pode contar o trabalho que dava para conjugar o esforço de repórteres brilhantes no texto, na apuração e na imagem. Dava trabalho, sim. E demonstrou também que é possível tornar o jornal impresso, que forçosamente sai mais tarde, algo tão necessário quanto as reportagens eletrônicas instantâneas permitidas pela Internet.
O que não é possível é continuar contando, no dia seguinte, histórias velhas sobre o jogo da véspera.
Jornalista também é gente
Dia 16, seis horas da manhã, gravação de matéria para o SPTV, Rede Globo. A repórter Ananda Apple, um dos destaques da emissora, cobria o atraso na entrega de uniformes aos alunos das escolas municipais de Santo André, na região do ABC paulista. Um frio de rachar: 12 graus. Ananda Apple encontrou uma estudante com os pés gelados, usando sandálias abertas. Não hesitou: tirou suas meias e as deu para a estudante com frio. "Tenho duas menininhas, sei o que é passar frio", disse a repórter. "Como esperar que uma criança aprenda passando frio na sala de aula?"
Houve um esboço de discussão sobre o papel da repórter, se deveria simplesmente registrar o fato ou interferir nele, como acabou fazendo. No caso, não há discussão possível: Ananda fez o que era certo, interferisse ou não na matéria. Repórter também é humano e não se deve exigir que funcione como um pedestal de microfone, indiferente ao que acontece a seu lado. E criança merece atenção especial: seu bem-estar é mais importante que qualquer reportagem. Ananda Apple só falhou ao dizer que agia como agiu porque, como mãe, sabia como a menininha se sentia.
Ela não agiu corretamente por ser mãe, mas por ser gente.
A imprensa e a saúde cara
João Bussab, repórter emérito, manda um bilhete para esta coluna: os planos de saúde, os convênios médicos, os seguros-saúde, anunciam aumento de 9,65% nas mensalidades (e tudo autorizado, claro, pelo Governo). Mais uma vez, o aumento dado supera largamente a inflação - no ano anterior, com inflação mais baixa que a atual, o reajuste foi o mesmo, próximo dos 10%. Maria Hebe de Queiroz, leitora desta coluna, foi vítima de aumento ainda maior: 17%. Outro leitor, que pede para não ter o nome mencionado - teme que o convênio dificulte ainda mais a autorização para tratamentos - sofreu elevações de 13,6% em junho de 2013 e de 15,5% em junho deste ano.
Agora, a dúvida deste colunista: boa parte dos consumidores de informação é cliente de algum tipo de plano de saúde e, portanto, vítima de aumentos sempre superiores à inflação do período. Por que os meios de comunicação entram com tanta timidez no assunto? Não é que o tema seja evitado; há notícias sobre os aumentos. Mas é tudo pequeno, escondido num cantinho, esporádico, pontual. Reportagem mesmo, com pesquisa, análise, busca de números, isso é raríssimo. E nem se pode dizer que os planos de saúde sejam grandes anunciantes: anunciam, mas nada fora do normal. Nada parecido, por exemplo, com os anúncios de automóveis, ou de bancos.
A defesa básica dos planos de saúde é que a inflação dos custos médicos é superior à inflação geral. Novos remédios, novos equipamentos, novas coberturas obrigatórias, mais o aumento da expectativa de vida dos clientes (pessoas mais idosas tendem a enfrentar mais problemas de saúde), jogariam os custos para cima. Um advogado de primeira linha, profissional corretíssimo, diz que Executivo e Legislativo aumentam o leque de atendimento obrigatório e elevam os gastos das empresas; e que, apesar da alta de preços sempre superior à inflação, o balanço das companhias da área não chega a ser bom.
Talvez - mas uma grande empresa de saúde paga R$ 30 milhões por ano ao Fluminense, mais o salário de R$ 900 mil mensais do centro-avante Fred, e é também patrocinadora da Seleção brasileira. Se o balanço não fosse excepcionalmente bom, de onde sairia o dinheiro? Pode-se alegar que todas as empresas que competem no mercado precisam investir em marketing; mas, no caso, o presidente da empresa investe pessoalmente em Fred porque ele é seu ídolo.
Quem tem razão? Uma boa reportagem provavelmente não responderá a essa pergunta, mas criará condições para que o consumidor de informação conheça melhor a caixa-preta do setor. Saberemos, então, se a entrada maciça de fundos estrangeiros na área de convênios se deve à fraqueza das empresas brasileiras, pressionadas por despesas crescentes que não podem enfrentar, e que por isso se oferecem a compradores capitalizados a preço de ocasião, ou se os estrangeiros procuram entrar no negócio porque o consideram muito bom.
Algumas histórias
Enquanto isso - e também porque há muitos anos este colunista deixou de acreditar no Papai Noel e na Mula-sem-cabeça, e tem aquela certeza íntima de que nenhum meio de comunicação vai investir tempo e dinheiro num assunto que só diz respeito a seus leitores, ouvintes, espectadores e internautas - algumas histórias de pessoas que lutam como podem para receber as quantias devidas por seguradoras e convênios dos quais são clientes há anos:
1 - uma jornalista está processando sua seguradora por ter aumentado o preço em 120%, quando completou 59 anos. Ganhou numa instância, perdeu em outra, a questão vai ao Supremo. Mas descobriu uma coisa nova: quando fez o seguro, podia usar o Laboratório Fleury, um dos mais conceituados do país. Quando precisou utilizá-lo, descobriu que tinha sido excluído de seu plano.
2 - O delegado Luiz Roberto Despontin, da Policia Federal, tem um seguro que prevê transporte em helicóptero-ambulância (do tipo daquele que ficou passeando com Neymar para cima e para baixo, sempre que havia câmeras por perto). Foi ferido numa operação policial, solicitou o helicóptero e o seguro se negou a atendê-lo. Teve de contratar por conta própria um helicóptero-ambulância que o levou a um hospital de ponta em São Paulo.
3 - Um leitor de Campinas, SP, teve em dois anos seguidos aumentos superiores ao dobro da inflação do período. E está sabendo, por discretas informações, que se reclamar muito a empresa poderá dificultar a autorização de exames.
4 - O administrador Mauro Pacanowski está tendo problemas com sua seguradora, onde o pai adquiriu a apólice em 1962 - coisa pouca, 52 anos apenas. Pediram-lhe uma série de documentos, que apresentou; todos autenticados, com cada detalhe da doença, hospital, internação, médico particular, médico conveniado, etc. Trinta dias depois, nada: agora querem a apólice original, de 1962, embora ele já tenha enviado cópias autenticadas por quatro vezes. Tenta falar com alguém: impossível. Só consegue o vamos estar providenciando para que senhor possa estar sendo atendido, o número do protocolo é esse, etc., e tal. Pergunta ele: é tão difícil assim atender bem ao cliente?
Difícil não deve ser - mas tem um custo, que a empresa quer evitar, né?
5 - um advogado importante diz que é preciso citar Shakespeare: há algo de podre. Quando procura um hospital e informa que tem seguro hospitalar, eles o seguram, e aos membros de sua família, no pronto-socorro, ou pronto-atendimento, ou seja lá o nome que estejam dando ao serviço. Alegam que não há vagas - mesmo que haja quartos obviamente vazios. O objetivo é fazer os exames antes da internação, para que o plano de saúde, aliado do hospital, não tenha de pagá-los, o que ocorreria se fossem feitos depois da internação. Detalhe: seu seguro tem 50 anos, sempre pago em dia.
6 - o leitor Sérgio Moura é a exceção: embora ache que a mensalidade do Seguro Bradesco é alta, mesmo sendo um plano coletivo, considera que o atendimento que recebe desde 2002 é plenamente satisfatório. E coloca a culpa dos problemas na interferência do Governo, ao fixar preços e exigir coberturas específicas.
Há muitas histórias, ainda. Qualquer veículo de comunicação que queira aprofundar-se no assunto jamais sofrerá com falta de material. Basta querer.
Como...
De um grande jornal, que já se preocupou com a qualidade do texto: