Coluna - Observatório da Imprensa
A presidente Dilma Rousseff tem toda a razão ao dizer, sobre as informações a respeito da delação premiada do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, que não pode tomar providências com base no disse-me-disse. Matérias obtidas por vazamentos - e esses vazamentos são sempre seletivos, do interesse de quem os promove - podem ser verdadeiras; mas também podem não ser. E, tendo sido vazadas com cuidado, a conta-gotas, mesmo informações verdadeiras, mas deliberadamente incompletas, podem levar a opinião pública a inclinar-se para o lado que interesse a quem liberou a notícia parcial.
Em artigo recente, o ex-ministro Miguel Jorge, que já comandou a redação de O Estado de S.Paulo, lembra que até há alguns anos os veículos de comunicação tinham repórteres que buscavam boas reportagens. Hoje, boa parte desse esforço foi deixada de lado: é muito mais barato receber dossiês prontinhos de alguma autoridade, já com os documentos que são de seu interesse divulgar, já com a história adequadamente enviesada para servir a seus propósitos.
Como se basear apenas numa reportagem, por mais bem feita que seja, por mais embasada que pareça, para demitir, suspender, punir? Onde estão as informações em que a reportagem se baseou? Num pacote de documentos - no qual, quase com certeza, está faltando muita coisa - a que "este veículo teve acesso"?
Há alguns anos, o mesmo procurador da República gerou dois fatos interessantíssimos. O primeiro foi uma espécie de cartilha passo-a-passo enviada a seus colegas, recomendando que usassem a imprensa para divulgar as informações que lhes fossem convenientes, de tal maneira que os juízes se sentissem desconfortáveis ao negar seus pedidos. O segundo, secreto, foi descoberto pelo jornalista Cláudio Tognolli, analisando pautas enviadas por Sua Excelência: havia marcações de computador de que pautas, petições, arrazoados haviam sido digitados em escritórios de advocacia que atendiam a adversários dos alvos mirados pelos dossiês, depois copiados e transcritos em papel timbrado da referida Excelência.
Não se pode pedir a um Governo, por mais sério que seja, por maior que seja sua disposição de extirpar a corrupção, que atue com base em reportagens que, sabem todos, se baseiam em informações de partes interessadas.
É preciso deixar claro que, quando recebe uma informação de boa fonte, a imprensa deve mesmo divulgá-la - embora seja desejável e correto que aprofunde as investigações, para não se transformar em linha auxiliar de um dos lados em conflito. A imprensa não tem compromisso com segredos. Mas quem tem esse compromisso - como as autoridades incumbidas de guardá-los - deve cumpri-lo. Eventualmente os responsáveis podem ser driblados, enganados, mas não é admissível que, tendo a missão de guardar um segredo, passem a divulgá-lo (e, ainda por cima, seletivamente).
Ao divulgar informações que deveriam ficar seguras sob sua guarda, não estariam esses responsáveis prevaricando?
Está errada
Dilma tem toda a razão ao dizer que não pode tomar decisões com base apenas em reportagens, sem ter acesso a informações originais e possivelmente mais completas. Mas está totalmente errada ao dizer que o papel da imprensa não é investigar, e sim divulgar informações.
Watergate foi descoberto por repórteres que investigaram, publicaram e provaram cada palavra que escreveram. Sem Carl Bernstein e Bob Woodward, o presidente Richard Nixon teria violado impunemente a lei. E foram os vazamentos de Edward Snowden, divulgados pelo jornalista Glenn Greenwald, que permitiram à presidente Dilma Rousseff descobrir que vinha sendo espionada por agências de informação dos Estados Unidos.
Há inúmeros exemplos de que a presidente poderia se lembrar. As duas pás de cal no governo de Fernando Collor, por exemplo, foram duas entrevistas: uma, de Veja, com Pedro Collor, irmão do presidente; outra, de IstoÉ, com o motorista Eriberto França. O aeroporto de Cláudio, que tantos aborrecimentos trouxe à campanha de Aécio Neves, foi revelado em reportagem da Folha de S.Paulo. E este colunista passou cinco anos insistindo em pedir investigações sobre o cartel de Metrô e trens metropolitanos em São Paulo, até que as investigações começaram a ser feitas. E, quando todos pareciam satisfeitos em jogar a culpa do caso numa única pessoa, o atual ministro do Tribunal de Contas Robson Marinho, novamente é este colunista que insiste em investigações mais amplas, que abarquem a totalidade do Governo no qual este caso se iniciou.
O fato, presidente Dilma Rousseff, é que pouca gente gosta de jornalistas. E isso se deve às virtudes dos profissionais, e não a seus defeitos: é um pessoal chato, insistente, que adora descobrir e publicar aquilo que tantos prefeririam ver escondido e inédito. Mas uma das coisas que distinguem os estadistas dos políticos comuns é a capacidade de tolerar a imprensa.
Como dizia Thomas Jefferson, um dos líderes da Guerra de Independência dos Estados Unidos e terceiro presidente do país, se ele tivesse de escolher entre Governo sem jornais e jornais sem Governo, certamente optaria pela segunda hipótese.
Ô, gente chata!
Comecemos pelo mais importante: o racismo é inaceitável. O racista, por definição, é um idiota. E, sem dúvida, um idiota criminoso. O caso do goleiro Aranha, pesadamente ofendido por ser negro, é exemplar: num país como o nosso, um cadinho de etnias, um melting pot de cores e origens, isso é inaceitável. E num esporte em que o astro máximo de todos os tempos ficou conhecido como Crioulo, o Craque-Café, ou simplesmente Pelé, atacar alguém pela cor da pele é ridículo.
Nem é preciso lembrar Pelé. Alguns dos maiores astros do país, desde que o futebol fincou raízes no Brasil, estavam longe de ser arianos. Friendereich, mulato de olhos verdes, o índio fulnió Garrincha, o centro-avante Índio, do Flamengo e do Corinthians, estiveram todos na Seleção brasileira. Tivemos Turcão, Japonês, o goleiro José Hungarês, o chinês Zizao. E Preto Casagrande, que por acaso é branco. Fausto, o grande centromédio do trio vascaíno Gringo, Fausto e Mola, era A Maravilha Negra; Leônidas da Silva, o Diamante Negro. Ruço, negro albino, foi ídolo do Corinthians, fez o gol histórico da invasão do Maracanã; Escurinho, veja só, foi ídolo do Grêmio - e como é que torcedores cretinos do time de Escurinho, do time cujo hino foi composto por Lupicínio Rodrigues, insultam alguém pela cor da pele?
Estabelecido este ponto, vamos ao risco que estamos correndo: o de considerar que qualquer coisa que desagrade a qualquer parcela de qualquer grupo étnico é racismo. O mundo caiu sobre a Rede Globo e Miguel Falabella pelo título da série Sexo e as Nêga. Já houve na Internet uma senhora erudita dizendo que é preciso acabar com essa história de sensualidade negra - como se isso fosse depreciativo! Em Sex and the City, as moças eram brancas. Nesse caso, podia? E, vamos combinar, Miguel Falabella racista? Não, não dá.
Um dos grandes publicitários brasileiros, Washington Olivetto, diz que o politicamente correto está matando a liberdade criativa. Verdade: hoje, o grande conjunto de cantores negros que fez um tremendo sucesso, Nilo Amaro e seus Cantores de Ébano, teria de buscar outro nome. Fausto, A Maravilha Negra, precisaria de outro apelido. Mudando-se o apelido de Leônidas, até um dos mais famosos chocolates brasileiros teria de ser conhecido por outro nome. Diamante Negro, ora já se viu!
Há um jogador chamado Graxa, cujo nome já tentaram trocar de todo jeito - mas ele não quer, o ingrato. Grafite, que também jogou na Seleção, gostaria de trocar de nome? Se Pelé não fosse o Craque-Café, apelido que lhe foi dado por Geraldo José de Almeida, teria até perdido o faturamento que tem com o Café Pelé. E os diversos Esquerdinhas, poderiam manter o apelido ou seriam obrigados a trocá-lo, por fazer referência a uma característica física? Canhoteiro, o são-paulino driblador, iria chamar-se José Ribamar de Oliveira, quase um homônimo de José Sarney? E Vampeta - o nome mistura "vampiro" com "capeta", referência à sua aparência física - que nome usaria? Neguinho da Beija-Flor estaria fora do samba. Negra Li nem teria estreado. E Negrão de Lima, como poderia ter sido governador de Estado?
Moderação, moderação. Falar de um buraco negro nas galáxias não é racismo. Sigamos o exemplo de Alceu Collares, ex-governador do Rio Grande do Sul, inteligente, divertido. Collares conta que, quando foi candidato ao Governo, visitou um de seus baluartes eleitorais, Caxias do Sul, região de fortíssima imigração italiana. No comício, era o único negro. E um de seus apoiadores mais fiéis fez um discurso entusiasmadíssimo: "O Negrão aqui sempre esteve conosco, é hora de ficarmos do lado dele. Temos de eleger o Negrão!"
Collares, o último a falar, disse que sempre o tinham chamado de Negrão e que ele nunca tinha feito qualquer restrição ao tratamento. Mas agora, como candidato ao Governo, o principal cargo executivo do Estado, achava que chamá-lo de Negrão iria pegar mal. Estava na hora de mudar. A plateia murchou, envergonhada. E Collares concluiu, já com aquela voz de comício: "De agora em diante, é Senhor Negrão!" Elegeu-se.
Este colunista conta piada de judeu, Collares conta piada de preto, o jornalista João Bussab conta piada de turco. O racismo tem de ser não apenas combatido, mas deixado para trás. Quem fica patrulhando as palavras dos outros, em busca do que acha que deve ser proibido, entra na precisa definição do consultor de investimentos Sérgio Belleza, uma pessoa que todos deveriam conhecer:
"Ooooooô, gente chata!"
A loucura galopante
A turma da patrulha escolheu outra vítima: o encarte Vogue Kids, da revista Vogue. Motivo: numa reportagem sobre moda-praia infantil, os fanáticos enxergaram incentivo à pedofilia. Há meninas de biquíni tomando sol; exatamente como na praia, ou na beira de qualquer piscina. Se estão de biquíni, boa parte do corpo está exposta - mas daí a enxergar sensualidade ou pedofilia vai uma distância gigantesca. Este colunista vai à praia com a maior parte do corpo exposta, e certamente não se trata de uma cena sensual.
Mas patrulha é coisa séria. Há alguns anos, um cavalheiro famoso e sua namorada foram vítimas de morte violenta. A foto do crime mostrava a moça morta, com sangue espalhado no corpo, com uma perna exposta. Pois não houve gente que interpretasse a foto como sensual - e alguns ainda gostavam?
Constituição 1
Incrível: o portal Consultor Jurídico foi proibido pela Justiça de divulgar a notícia da condenação de autores da peça Edifício London, baseada no assassínio da menina Isabella Nardoni. Foi preciso que o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, lembrasse que a Constituição proíbe a censura prévia, que o Judiciário não pode censurar conteúdos jornalísticos e que a censura é incompatível com o sistema democrático.
Constituição 2
O governador do Ceará, Cid Gomes, do PROS, foi citado em reportagem da IstoÉ por envolvimento no Petrolão. Desmentiu? Não: pediu que a revista fosse proibida de circular. E obteve sentença de primeira instância nesse sentido, que proibiu IstoÉ de circular em todo o território nacional - isso, recorde-se, embora a Constituição proíba a censura prévia. Foi necessária a intervenção do ministro Luiz Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, para restabelecer o império da Constituição. Mas o prejuízo para a revista, que ficou dias sem circular, terá de ser buscado nos tribunais (e quem paga, no fim, é o Tesouro, não a pessoa que fez a bobagem autoritária).
A patrulha da raiva
O patrulhamento, infelizmente, não se limita a expressões que possam ser interpretadas como racismo. Em certos casos, quando a opinião de um jornalista não coincide com a de um patrulheiro, o ódio transborda. Gustavo Chacra, um excelente jornalista, com belas análises das diversas crises do Oriente Médio, recebeu o seguinte comentário, de uma leitora que discordou dele: ela disse que seu desejo é que ele seja decapitado pelo ISIS, ou Estado Islâmico, e que daria muita risada ao ver a cabeça dele cortada.
Percival, essencial
Como naquele anúncio da Folha, não dá para não ler: Percival de Souza, um dos melhores repórteres brasileiros, lança Narcoditadura, mostrando como boa parte da população brasileira é refém do tráfico de drogas. O livro foi concebido para homenagear um amigo, Tim Lopes, da Rede Globo, vítima dos narcotraficantes (foi sequestrado, torturado, morto, e teve o corpo incinerado). Proteger a população não é apenas uma questão de polícia, diz Percival, especialista no assunto, embora a Polícia tenha de marcar presença, impedindo os traficantes de ser os imperadores de determinados lugares. Mas outros setores da sociedade, completa, "precisam fazer sua parte em matéria de educação, saúde, transporte, moradia".
A tarefa é perigosa: como lembra Percival, Tim Lopes "foi martirizado exatamente por mostrar o DNA desse inacreditável bas-fond".
Como...
Da versão on-line de um grande jornal, sobre a guerra entre o atual presidente do São Paulo e seu antecessor e antigo aliado: