Coluna - Observatório da Imprensa
Como dizia a vovó, gato escaldado tem medo de água fria. Cachorro mordido por cobra tem medo de linguiça. Cidadãos normais, quando o Governo anuncia que o preço da gasolina não vai subir, vão ao primeiro posto para encher o tanque. Pois caldo de galinha e bom-senso nunca fazem mal a ninguém.
Observando o país real, nada mais justo do que acreditar, sempre que alguém acusa uma estatal, que houve mesmo superfaturamento. Se há empreiteiras no negócio, coisa boa não é. E se alguém anda com um belo dinheiro no bolso, embora nenhuma lei o proíba - é perigoso, porque bandido é o que não falta, mas não é ilegal - pode prender o afortunado, porque alguma deve ter aprontado.
Tudo isso pode estar errado, mas é fácil de entender: já vimos este filme muitas vezes, e no fim sempre roubam a bilheteria. O que é difícil entender é a cega confiança em delação premiada. O sujeito está preso, sujeito a toda sorte de constrangimentos, sua família é constantemente ameaçada daquilo a que chamam de esculacho, informações são vazadas todos os dias, a conta-gotas, para destruir sua reputação; e ele é informado de que, se não colaborar, estará sujeito a centenas de anos de prisão. Em compensação, se colaborar, passa do inferno ao céu de um dia para outro, com direito aos gozos dos bem-aventurados.
Este colunista não entende nada de Direito; bons amigos, da área, acham que tudo está bem. Mas não consegue ver direito a diferença entre as ameaças ao preso e sua família e as torturas físicas que todos condenamos. Não há, ao que se saiba, violência física; mas a violência moral contra o preso escolhido como candidato á delação premiada é permanente.
A justificativa da delação premiada não é, porém, o tema deste colunista - entre outras dezenas de motivos, por não entender nada de Direito. O que parece assustador é a confiança dos meios de comunicação nas informações obtidas por esse meio. Digamos que o prisioneiro seja informado de que, quanto melhor se comportar, quanto mais gente de determinadas listas apontar, mais benefícios terá com a delação premiada. Digamos que, para amarrar direitinho uma boa história de acusação, seja necessário incluir na trama alguém absolutamente insuspeito - alguém, por exemplo, como a Madre Tereza de Calcutá.
Voltemos ao delator (eta, palavra mais carregada de significados negativos!) Não podemos esperar dele que tenha a moral ilibada; ou não teria participado das manobras que agora denuncia. Também não podemos esperar que esteja absolutamente tranquilo, imune a eventuais pressões e ameaças à senhora sua mãe, à senhora sua esposa, a seus filhos e outros parentes. Não é lógico que resista: se quiserem que delate São Francisco de Assis, ele o fará. Ou não, como diria Caetano Veloso. E como é que os meios de comunicação irão distinguir a falsa delação da delação verdadeira? Investigando, ouvindo gente, tentando entender a papelada. Mas o que se vê, hoje em dia, é que não há jornalistas investigando o caso do Petrolão: há repórteres, ótimos repórteres, usando seus bons contatos para obter, das autoridades, os vazamentos mais saborosos.
Laudos? OK, os laudos são importantes. Mas já houve laudos que apontaram problemas em próstatas de mulheres, lembra? Um repórter, grande amigo deste colunista, descobriu que seu índice de PSA, importante indicador de câncer na próstata, estava altíssimo. Seu irmão, médico, desconfiou, e mandou refazer o exame. O PSA estava normal. Foram ao laboratório do primeiro exame, um grande e bem reputado laboratório, e descobriram que lhe tinham entregue um laudo errado. E o tempo de terror que passou entre a descoberta do índice do primeiro laboratório e o índice normal do segundo laboratório? Não há maneira de compensar esse tipo de falha.
Este colunista viu laudos diversos no caso PC Farias, contraditórios, mas todos atestados por profissionais reconhecidos.
Voltemos ao tema original.
1 - Um cidadão submetido às pressões habituais para que se transforme num delator premiado é digno de confiança? Quem garante que o que diz é verdade?
2- Considerando-se que o prisioneiro está nas mãos dos acusadores, quem garante que se comportarão como bons meninos, incapazes de tentar influir nas narrativas do delator?
Só há uma maneira de a imprensa lidar com esse tipo de caso: da mesma maneira que o irmão médico do repórter com PSA alto. Buscar confirmação em outra fonte, estudar profundamente o caso, envolver-se na pesquisa, duvidar dos presentes informativos que recebe. E lembrar-se de que a função do jornalista não é confiar em ninguém, muito menos em autoridades. A função do jornalista é desconfiar sempre - e mais desconfiar quanto mais poderosa for a fonte.
A busca da verdade
A investigação do Petrolão deve ser feita com todo o rigor possível, pelas autoridades; e noticiada com toda a precisão possível pelas reportagens. Mas a reportagem não pode estar a reboque de vazamentos seletivos. Apurar tudo significa apurar tudo, não apenas aquilo que as autoridades derem de presente.
Oh, céus! Oh, vida!
Lição de vida: eleição não é tudo (tudo é falta de eleição). Ideologia não é tudo (tudo é guerra por ideologia). Pessoas inteligentes ficam burras quando deixam sentimentos competitivos adequados a esportes aflorar em situações em que deveriam refletir. Perder eleições, ou ganhá-las, faz parte do jogo. Lamenta-se, comemora-se, mas nem ganhar nem perder valem as brigas a que este colunista está assistindo.
Há dez mil anos atrás, quando a comunicação era muito deficiente, os ótimos repórteres Ennio Pesce e Ferreira Netto, ambos excelentes imitadores, ambos muito bem humorados, gravaram na fita de seu Geloso um esplêndido diálogo entre Jânio Quadros e Adhemar de Barros, os dois maiores inimigos da política paulista. Os dois batiam um papo amigável e combinavam como seria o próximo comício. Ferreira, como Adhemar, dizia que iria sugerir que o mato-grossense Jânio voltasse para sua terra, em vez de assombrar o povo paulista. Ennio, como Jânio, dizia: "Chamá-lo-ei de rato, que roi o dinheiro do povo". Nas viagens, levavam o gravador e o ligavam em restaurantes e bares. Os eleitores de Jânio e Adhemar ficavam indignados: brigavam por eles e acabavam de descobrir que ambos, longe do público, não apenas eram amigos como combinavam os insultos. E alguns, contava Ennio Pesce, até se convenciam de que, embora continuassem votando em seu favorito, não precisavam ter ódio dos adversários.
Será que é preciso fazer algo semelhante para que pessoas normalmente centradas, habitualmente educadas, tolerantes, deixem de comportar-se como feras feridas sempre que se fala qualquer coisa de seus preferidos? Ou usem critérios ideológicos para tudo - por exemplo, para negar que o poeta Ferreira Gullar mereça estar na Academia Brasileira de Letras, por atrever-se a criticar a reeleição de Dilma? Pior: há jornalistas que, na defesa de suas teses xiitas, defendem a demissão de colegas, o fechamento de postos de trabalho, o boicote ao trabalho daqueles que eram seus amigos até há poucos meses. Vale a pena passear pelo Facebook, escolher alguns xiitas mais bravos, e cutucá-los de alguma maneira - Mensalão, no caso dos petistas, é ótimo; a lembrança de alguns casos iniciados no Governo Covas, em São Paulo, como o cartel do Metrô e dos trens metropolitanos, sempre funciona. E falar do caso Celso Daniel, então? É acender o fogo, sair de perto e fazer o trabalho do dia. E assistir ao rescaldo do incêndio na hora em que o trabalho estiver concluído e der para se divertir mais um pouco.
Parece ridículo. E é.
Como...
De uma informação à imprensa enviada por uma grande estatal: