Coluna - Observatório da Imprensa
Terminada a festa do caqui em que se transformou a cobertura (chatérrima!) das eleições, com os meios de comunicação aceitando numa boa a agenda determinada pelo comando das campanhas, está na hora de aproveitar a trégua patrulheira e fanaticamente ideológica para responder a uma pergunta: para que servem, hoje, jornais, revistas e noticiários de televisão?
Para dar notícias? Não, não é: a notícia que sai amanhã no jornal está agora na Internet, com som e movimento, registrando as mudanças na situação momento a momento.
Para influenciar a opinião pública? Em parte: o papel impresso tem grande capacidade de transmitir verossimilhança. Vários jornalistas criaram, na TV, uma forte imagem de confiabilidade e empatia com os telespectadores. Não é comunicação para grandes massas, mas atingem bem a classe média, a grande difusora de tendências e opiniões.
Para consolidar as informações do dia? Mais ou menos: as informações, em jornais, TV e revistas, podem vir consolidadas, mas são velhas.
A TV tem de se repensar, sem dúvida, mas ainda está na vanguarda do jornalismo, se bem que aos poucos vá perdendo terreno para a Internet. Jornais e revistas têm de se replanejar, e rapidamente: arriscam-se a perder mercado e a tornar-se comercialmente inviáveis. Não podem continuar oferecendo notícias antigas e cobrando por elas enquanto os competidores dão notícias novinhas, fresquinhas, com som e movimento, sem limitação de espaço, e de graça.
Vejamos, por exemplo, o Petrolão (e seu cortejo de vazamentos, delações premiadas, denúncias, escândalos, personagens que têm seus 15 minutos de fama). Aqui não entramos no mérito das denúncias: podem ser verdadeiras, falsas, parcialmente verdadeiras, no caso não importa. O que importa é como surgem, o compromisso com as necessidades do consumidor de informações, o que poderia ser feito.
Primeiro: excetuando-se o pessoal de campanha eleitoral (esta de agora acabou, mas haverá outra daqui a dois anos e já está na hora de começar a colher material), pinçando no noticiário algo que possa ajudar seu possível candidato e comprometer os prováveis adversários, mais uma meia dúzia de entusiastas da cobertura de escândalos, quem é que se interessa por páginas e páginas de depoimentos e explicações sobre transferências de dinheiro de uma moeda para outra, de uma firma para outra, de um banco para outro, de um país para outro?
Frederick Forsyth fez isso muito melhor, em seu delicioso livro Cães de Guerra; e ali a mecânica da lavagem de dinheiro faz parte da estrutura do romance de ação. Num jornal ou revista, ou mesmo na TV, acompanhar os gráficos é chatíssimo para uma pessoa que não tenha interesse especial no assunto. E aí vem a pior parte: quem se interessa pelo tema percebe facilmente que, de tantos em tantos dias, requenta-se um lead de matéria antiga e, passados os dois parágrafos iniciais, retorna-se à mesma matéria de dias atrás. Tudo bem - mas ainda temos de pagar por essas informações inúmeras vezes reaproveitadas?
O assunto é árido, tão árido que muitas vezes os repórteres não acompanham com atenção o material que lhes é fornecido por delegados ou promotores. Um caso curiosíssimo é o de uma empresa que, segundo já foi publicado algumas vezes em alguns jornais, recebeu determinada soma por serviços efetivamente prestados e repassou a mesma soma como propina. A conta não fecha, mas como descobrir o erro se o requentador de matéria simplesmente a enviou e os meios de comunicação simplesmente a republicaram, achando que era coisa nova?
Resumindo: que é que sobra para o leitor, além do título que realça o escândalo? E, como são escândalos sobre escândalos, acaba virando tudo uma geleia só, uma espécie de samba do doleiro doido, em que se misturam euros nas calcinhas e dólares nas cuecas, malotes de dinheiro em aviões, cocaína transportada no estômago de passageiros de empresas aéreas - epa, esse é escândalo de outra matéria, embora vá tudo bater, em algum momento, no tráfico e no contrabando.
Não é nem civicamente educativo: o que acaba passando é que todo mundo é igualmente ladrão. Nunca se pode esquecer a história do rapaz que estava passando na rua e viu uma velhinha sendo atacada por três assaltantes. Correu para ajudá-la, brigou com os assaltantes, obrigou-os a fugir. E virou heroi, personagem de todas as reportagens do dia seguinte.
Passados alguns meses, alguém o viu na rua e disse a um amigo que estava achando que era alguém conhecido. O amigo replicou: "Não é o sujeito que esteve envolvido no assalto a uma velhinha?"
Começar de novo
Há pouco tempo, Miguel Jorge escreveu um artigo relembrando o tempo em que foi editor-chefe de O Estado de S. Paulo. Na época, dizia ele, os repórteres saíam em busca de notícias, em vez de ficar na redação aguardando matérias prontas (que, obviamente, servirão aos interesses de alguém, e jamais aos do consumidor de informação).
Ricardo Kotscho já disse muitas vezes que repórter tem de ir à rua, tem de testemunhar os fatos, em vez de recebê-los prontinhos por telefone - e, claro, passados por alguém que jamais iria se dar a esse trabalho se não visse vantagem para seu grupo.
Um famoso técnico de futebol, Gentil Cardoso, dizia no final da década de 1940 a seus jogadores: "quem pede recebe, quem desloca tem preferência". Quem fica parado é refém de seus informantes.
Reinventar-se, para os meios de comunicação, é sinônimo de voltar um pouco no tempo, de desconfiar de todas as fontes, de achar que matéria dada de presente alguma armadilha deve embutir; que, como na clássica frase do almoço, não há informação de graça nem autoridades boazinhas que abram todos os arquivos sem que nisso tenham qualquer interesse. E que, aliás, abram mesmo todos os arquivos, não apenas os que prejudicam seus eventuais adversários. É preciso buscar a notícia, lutar para transformá-la numa boa matéria, informar-se, entender o que está acontecendo; e aí traduzir a história de maneira legível, organizada, para que o consumidor de informação também consiga entendê-la, mesmo não sendo especialista em giro internacional de moeda.
Reportagem, pois. E bem escritas. E que não precisam ocupar páginas e páginas para dar, ao consumidor de informação, uma ideia precisa do que se discute.
Ninguém nos ama
Governo não gosta de jornalista; oposição não gosta de jornalista; polícia não gosta de jornalista; criminoso não gosta de jornalista.
Desta vez, quem matou o jornalista foi uma milícia paraguaia, misto de guerrilha e narcotráfico, o EPP - Ejército del Pueblo Paraguayo. Pablo Medina, do ABC Color, foi morto em Canindeyú, no Norte do Paraguai, região onde há plantações de maconha e conflitos de bandidos com índios.
O EPP é velho conhecido do Brasil: há oito meses, sequestrou o brasileiro Arlan Fick, que com os pais se estabeleceu numa fazenda paraguaia. Exigiu resgate de US$ 500 mil, que foi pago; mas o rapaz nunca reapareceu. De acordo com a Polícia Nacional paraguaia, há ligações entre o PCC, que das prisões comanda o crime organizado brasileiro, e o EPP. Três paraguaios apontados pela Polícia local como integrantes do EPP conseguiram asilo no Brasil, no Governo Lula: Anuncio Martí, Victor Colmán e Juan Arrom.
A propósito, por que só a imprensa paranaense publica notícias sobre o EPP?
Estudar, e muito!
Pois é. Um cachorro foi mordido por um morcego hidrófobo, no Interior de São Paulo, contraiu raiva e teve de ser sacrificado. Na entrevista, o especialista em Zoonoses pediu a todos que, quando vissem um morcego em atitude suspeita, avisassem imediatamente as autoridades. OK, OK, OK. Mas como é que um cidadão comum descobre que um morcego está em atitude suspeita?
Claro, claro, claro, a emissora não fez essa pergunta.
O tempo voa
Houve época em que a principal recomendação deste colunista a jovens jornalistas era que lessem muito. Lessem coisas boas, claro; mas, não havendo coisas boas, valia ler bula de remédio, anúncios grudados em postes, livros de autoajuda, propaganda eleitoral, tudo.
Passou-se o tempo. Hoje, quem ficar lendo corre o risco de desaprender.
Veja que delicia: