Coluna - Observatório da Imprensa
Não, não era o Jornal da Tarde. O JT tinha mais dinheiro, equipe maior, capacidade incomparável de mobilização. Mas o Diário do Comércio, muitas vezes citado nesta coluna, era hoje o que havia de mais próximo do Jornal da Tarde: bonito, avançado, moderno, sem medo de ousar. Tinha no comando um legítimo produto do JT, um jornalista que ali desenvolvera boa parte de sua trajetória: Moisés Rabinovici, mineiro talentoso, um dos profissionais mais próximos de Murilo Felisberto, alma e coração do jornal mais irreverente, bem feito e saudavelmente chocante já feito em São Paulo.
O Diário do Comércio, porta-voz da Associação Comercial de São Paulo há 90 anos, jornal tradicionalmente antiquado, feio, difícil de ler, se transformou há dez anos, com Rabinovici e sua equipe, boa parte dela oriunda do Jornal da Tarde, no jornal mais surpreendente de São Paulo. Nunca esteve ao alcance da população em geral: como acontecia desde seu nascimento, era distribuído gratuitamente entre os sócios da Associação Comercial. Nada de bancas, nada de preços de capa. Era entregue aos assinantes, sempre gratuito. Este colunista, para recebê-lo, precisou procurar amigos, que lhe fizeram o favor de conseguir-lhe uma assinatura. Até esta última sexta-feira, o esforço valeu a pena.
Foi quando o Diário do Comércio morreu de morte matada, sem aviso, de repente, no final da semana passada. Os profissionais foram chegando (inclusive o diretor de Redação, Moisés Rabinovici) e sendo informados de que o jornal tinha deixado de circular. Quando os primeiros boatos surgiram, um destacado profissional da casa foi procurado por telefone, para contar em primeira mão o que estava acontecendo. Estava de férias, não sabia de nada. Surpresa total.
A direção da Associação Comercial atribuiu o fechamento à questão dos custos, considerando que manter um jornal de papel sai muito mais caro do que fazê-lo na Internet. Anunciou que, de agora em diante, o jornal será exclusivamente digital, com muito mais conteúdo. Pode ser - mas é a troca de um produto comprovadamente bom por outro que, pelo que se promete, será ainda melhor, desde que tudo dê certo.
Profissionais de primeira categoria ficaram desempregados, de uma hora para outra. Comerciantes e este colunista foram privados da leitura física de um jornal que dava prazer, surpreendia, trazia informações úteis. Era o Diário do Comércio, por exemplo, o veículo do Impostômetro - o medidor de pagamento de impostos exposto na fachada da Associação Comercial.
E vale a pena fazer algumas perguntas. A Folha de S.Paulo é um grande jornal, o UOL, da mesma empresa, é um grande portal noticioso, de grande sucesso. Em termos de poder político, de credibilidade, por melhor que o UOL seja, a Folha é o carro-chefe da casa. A mesma comparação vale para O Globo, O Estado de S. Paulo, outros grandes jornais com excelentes portais digitais: em todos os casos, o jornal continua sendo mais importante que o portal.
Será que, em todas as empresas, as coisas acontecem desse jeito por acaso, por coincidência? Não seria o caso de analisar se, neste momento, a troca pura e simples do produto físico pelo digital, por mais que pareça ser econômica, não estará adiante de seu tempo?
Este colunista já viu muitas tentativas de implantar o noticiário on-line. Houve uma série de fracassos, até que chegou a hora certa e o on-line pegou. Mas perdeu-se muito tempo e muito dinheiro até que isso acontecesse.
O mundo gira, a Lusitana roda, dizia o antigo anúncio. Nesse gira-e-roda, um dia talvez tenhamos um novo veículo capaz de resgatar o caráter que todo jornal deveria ter: além de indústria, além de informação, uma legítima obra de arte.
Quem vê o que
Quem esteve no Comitê Gestor da Internet e acompanhou o gráfico de uso da rede no domingo, 5 de outubro, viu que às oito da noite o uso da Web despencou. Óbvio: quem estava na Internet correu para ver as apurações na TV.
Seria interessante que o alto comando da Associação Comercial se certificasse de que, neste momento, a credibilidade da informação virtual é pelo menos tão sólida quanto a dos jornais de papel e a dos meios eletrônicos tradicionais de comunicação.
Ideologia enfurecida
Há muitos e muitos anos, um jovem economista em ascensão, Delfim Netto, dizia não entender os jornalistas: "Não têm nem a solidariedade tribal". Um jornalista de bela tradição, Charles Magno Medeiros, declara-se impressionado com os valores de muitos colegas, que a seu ver revelam "o maior desprezo pela profissão que abraçaram, divulgando pela rede informações comprovadamente falsas, mentiras e calúnias contra candidatos que não apoiavam".
Pior: no jornalismo, as empresas vendem publicidade, recebem dos anunciantes e pagam os profissionais. Profissional não pode receber diretamente do anunciante. Acontecia, mas era uma transgressão; todos, inclusive os praticantes, sabiam que estava errado. Agora isso acontece às claras. A boa imprensa vende anúncios e isso não a impede de fazer matérias que deixam mal anunciantes poderosos, já que têm uma multiplicidade de clientes. Jornalista que caça anúncios não tem independência, pois depende exclusivamente da empresa que compra seus serviços. Completa Charles Magno:
"O dever primordial do jornalista é monitorar, vigiar o poder. Mas há mais jornalistas empenhados em vigiar a imprensa e deixar o poder deitando e rolando".
Os estrangeirismos
Uma dúvida: será que é feio, brega, jeca falar Português? Não? Então, por que tratar a tal lei da censura como Ley de Medios?
Bom, este colunista tem a maior curiosidade em saber o que o pessoal que quer censura pretende conseguir com a sua Ley de Medios. Dizem que é preciso regulamentar a propriedade cruzada dos meios de comunicação.
Já defendi essa tese, pois vi empresas, usando o poder combinado de rádio e TV, impor ao público o seu jornal. Mas também vi o Grupo Globo, com todo seu poderio, desistir de transformar Época na maior revista semanal do país, desbancando Veja. Já vi o Grupo Globo comprar um jornal campeão de bancas em São Paulo, o Diário Popular, usar todo seu poderio eletrônico para promovê-lo, e ser obrigado a vender o jornal algum tempo depois, sem conquistar o mercado de jornais de São Paulo.
Nos Estados Unidos, a propriedade cruzada dos meios de comunicação só é permitida a partir de "n" quilômetros de distância. Foi uma medida altamente eficiente, em sua época. Hoje não tem sentido: pela Internet, rádio e TV ganharam alcance geográfico ilimitado. Limitar o poder de um grupo a determinado volume de audiência? Esquisito: como a Globo domina o mercado, parte do público ficaria privada de ver as novelas, o Big Brother, os jogos do Corinthians, e teria como alternativa programas religiosos de diferentes denominações, televendas, novelas mexicanas devidamente dubladas. Há outros bons grupos de comunicação, Bandeirantes, Record, SBT - mas, se os há, por que é preciso limitar legalmente seus concorrentes?
Uma parte importante que precisa ser tratada é a propriedade de concessionárias por políticos atuantes. A corrupção come solta. Não é admissível que um parlamentar (e dos famosos) use sua verba de gabinete para "divulgar o mandato", pagando reportagens nos jornais de sua família. Isso, aliás, já é proibido - mas quem é que vai enquadrar o parlamentar e perder seu apoio no plenário?
Há as emissoras piratas, há emissoras cuja concessão é para uma pequena cidade e que se instalam abertamente na avenida Paulista, em São Paulo (pelo menos uma delas nem é captada na cidade que deveria atender).
Há muito para fazer - mas a história de Ley de Medios, que remete à guerra da presidente argentina Cristina Kirchner contra o Grupo Clarín, que comete o crime de fazer-lhe oposição, já indica que este muito que há para fazer não é o objetivo dos defensores da tese.
Credibilidade
Há tempos, um jornalista encontrou-se com o técnico da Seleção brasileira num avião de carreira, sem seguranças, sem puxa-sacos, sem papagaios de pirata. O cavalheiro lhe deu um cartão de visitas absolutamente claro: tratava-se de um sósia do técnico Luiz Felipe Scolari, e ganhava a vida a imitá-lo. Mesmo assim, o jornalista entrevistou-o como se Felipão fosse. Não era.
Agora, um renomado portal de Internet fez longa entrevista com o ministro Aloízio Mercadante e colocou-a no ar. Teve que desmentir a entrevista. E como é que fez a confusão? Alguém ligou para lá e disse que era Mercadante. Ficaram tão felizes que o entrevistaram sem se certificar de que era o próprio. Não era.
Alô, colegas! Quem diz que é muitas vezes não é. E quem diz que não é pode até ser, mas raramente é.
Uma certa confusão
Alberto Youssef, o doleiro da moda, aparece algumas vezes numa única notícia, num portal noticioso dos mais importantes. Na capa, a manchete: