Coluna - Observatório da Imprensa
Nada de promotores entregando discretamente uma reportagem pronta ao jornalista (que publicará a papelada extraída de inquéritos sigilosos como "documentos a que este repórter teve acesso"), que daria uma matéria ótima se não citasse exclusivamente o que interessa à acusação, sem direito de defesa ao acusado. Nada de altos funcionários entregando estudos do Governo a jornalistas, que os transformarão em boas matérias - em geral oportunas, informativas, com o único defeito de que, como aquelas geradas em "documentos a que este repórter teve acesso", são chamadas de "jornalismo investigativo". Tudo bem, promotor e delegado também investigam, mas o conceito de jornalismo investigativo talvez não seja exatamente esse.
Neste ano, o Prêmio Esso de Jornalismo foi dado a uma reportagem de repórter, um grande repórter; foi dado ao repórter de um jornal que não teve medo de investir numa importante e cara reportagem, sem promotores, sem delegados, sem documentos vazados. Leonêncio Nossa, de O Estado de S. Paulo, ganhou o Esso com uma reportagem, Sangue Político, que exigiu 17 meses de trabalho, com viagens a 35 cidades; e contabilizou o número de pessoas mortas por motivos políticos desde 1979, data da Lei da Anistia. Foram 1.133 pessoas assassinadas por questões políticas - número levantado, conferido e garantido pelo próprio repórter.
A propósito, um belíssimo trabalho, como há tempos não se via em jornal.
A Bandeirantes no pódio
Outros dois prêmios, ambos para jornalistas da Rede Bandeirantes de Televisão, marcaram o Esso deste ano: o de Melhor Contribuição ao Telejornalismo, por Vila Socó, a Verdade Apagada, conferido a Rodrigo Hidalgo, Tony Chastinet, Camila Moraes, Alziro Oliveira, Eduardo Reis e Walter Colling; e o de Telejornalismo, para O Avanço da Maconha, magnífica série de reportagens de Fábio Pannunzio e equipe - Victor Sá, Anísio Barros, Denis Romani, Alziro Oliveira, Fernanda Chamlian, André Pereira, Fábio Nikolaus, Raphael Cadamuro e Diego Costa.
Vila Socó era uma favela em Cubatão, SP, localizada nas proximidades de um mangue por onde passava um duto de combustível da Petrobras. Em 24 de fevereiro de 1984, moradores da favela sentiram cheiro de gasolina, deram o alarme; funcionários da refinaria de Capuava inspecionaram a região e nada acharam de anormal. Mas havia vazamento, sim; e o combustível que vazava explodiu.
A favela com 1.200 barracos foi inteiramente carbonizada, e oficialmente 93 pessoas morreram (sempre houve rumores de que muitos moradores tinham desaparecido). A reportagem de Rodrigo Hidalgo e seus companheiros buscou documentação inédita, entrevistou sobreviventes, fez ampla pesquisa; e mostrou o trabalho do Governo militar da época para esconder as causas da tragédia - a principal, o mau estado de conservação do duto da Petrobras - e fazer com que fosse esquecida. Vila Socó só teve vítimas; a tragédia não teve culpados, alguém cuja responsabilidade fosse apurada e comprovada.
Para O Avanço da Maconha, Fábio Pannunzio e seus companheiros percorreram Uruguai, Estados Unidos e boa parte do Brasil, mostrando fatos, opiniões, os diversos usos, inclusive os terapêuticos, da erva; entrevistaram traficantes, fumantes, políticos, pacientes tratados com remédios derivados da maconha. Reportagem de um tipo que é raro na TV: além das boas imagens, informações de grande profundidade, muito bem expostas. E a rede teve a ousadia de investir pesadamente num tema tabu, numa reportagem caríssima, para esclarecer seu público.
Valeu: na hora em que muitas das reportagens se baseiam em pautas e informações oficiais, os prêmios principais vão para o trabalho de bons repórteres, que trabalham em empresas que apostam em seu talento.
O Prêmio e os prêmios
E, passados tantos anos, o Esso continua sendo o principal prêmio do jornalismo brasileiro. Dois são os pontos principais de seu sucesso: primeiro, a escolha é feita por jornalistas, sem que a empresa interfira nem na escolha dos jurados nem em seu trabalho; segundo, porque, embora patrocinado por uma empresa de petróleo, não exige que combustíveis e lubrificantes sejam o tema dos repórteres. É de alcance geral - e pode premiar até reportagens sobre problemas de combustíveis fósseis. Este colunista já foi jurado do Esso mais de uma vez, e nunca recebeu qualquer tipo de recomendação sobre o que poderia, ou deveria, ter maior peso na hora da premiação.
Investigando
Guarde este endereço: http://impact.gijn.org/
GIJN é Global Investigative Journalism Network, que apresenta este novo projeto, bem interessante. O site mostra a importância do jornalismo investigativo no combate à corrupção (jornalismo investigativo de verdade, não o que se baseia em material liberado por autoridades interessadas), citando exemplos de todo o mundo. Um destes exemplos é brasileiro (e vale a pena ver, ou rever): Diários Secretos (www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/diariossecretos/). belo trabalho da RPC-TV, do Paraná, em colaboração com a Gazeta do Povo.
A reportagem revelou espetacular desvio de recursos da Assembléia Legislativa paranaense, com ampla contratação de funcionários fantasmas e edição de atos secretos - lembra dos atos secretos, que também existiram no Congresso? As reportagens abriram caminho para que o Ministério Público iniciasse uma série de processos; e, no final, as despesas da Assembléia tiveram redução de R$ 4,5 milhões mensais. O trabalho foi de James Alberti, Gabriel Tabatcheik, Katia Brembatti e Karlos Kohlbach.
E não imagine, caro colega, que o trabalho já foi realizado, e pronto. Este tipo de trabalho nunca termina e sempre é preciso recomeçá-lo. Quando cessa a vigilância da opinião pública, a roubalheira agilmente retoma o território perdido.
Pobres árvores 1
Uma família decide mudar-se para Miami, dizendo-se inconformada com a vitória de Dilma Rousseff, e achando que lá terá melhores condições de vida e desenvolvimento. Pois ocupou uma página inteira de um grande jornal, como se a mudança para Miami fosse uma tendência nacional - o que não é. Mas imaginemos que fosse: nesse caso, não seria interessante informar quantas famílias estão se mudando para lá, e pesquisar os motivos de cada uma?
A propósito, o assunto é mais antigo do que foto de José Maria Marin sem cabelo. Há muitos anos, o dono de uma prestigiadíssima rede de lojas de móveis foi sequestrado e, logo depois de solto, se transferiu para Miami. Em outras ocasiões, houve migração intensa para os Estados Unidos, a partir, especialmente, da região de Governador Valadares, em Minas.
E, pelo exemplo de uma única família, retoma-se o assunto. Pobres árvores! Quantas tiveram de ser abatidas, moídas, submetidas a tratamento químico para transformar-se no papel cuja função seria hospedar notícias velhas?
Pobres árvores 2
E, por falar em sacrificar inutilmente belas árvores, a exploração de um beijo de Marcelo Adnet numa jovem que não era sua esposa foi absurda. Se Marcelo Adnet beija alguém, mesmo na rua, este assunto interessa basicamente a três pessoas: a ele, à pessoa beijada, à esposa. A esposa, Dani Calabresa, perseguida por fofoqueiros e paparazzi, demonstrou muita classe: simplesmente deu um beijo na boca de seu colega de bancada, em público, desmoralizando os chatos que se pretendem vigilantes da virtude alheia.
Quanto à foto de Adnet, tudo bem: há parte do público que aprecia os flagras. Perfeito: houve o flagra, a foto foi publicada. Mas insistir no assunto é chatice.
Flagrado!
Em Florianópolis, SC, a Polícia Federal deflagrou a Operação Ave de Rapina, com o habitual volume de prisões e trabalhos de busca e apreensão. Na TV, o ex-comandante da Guarda Municipal deixava o prédio da Polícia Federal, e o repórter descrevia a cena: "Olha aí o (...), flagrado deixando o prédio da Polícia Federal". Curiosíssimo: por que não "Fulano, deixando o prédio (...)"?
A partir de que época tudo passou a ser flagra, flagrante, flagrado?
Como...