Coluna - Observatório da Imprensa
Papel caro? Deve ser um daqueles boatos que dono de jornal gosta de espalhar, para reduzir a equipe e dizer que isso é necessário para controlar os custos. Porque, na prática, todos se comportam como se o papel pagasse à empresa para ser desperdiçado.
Uma seção nobre, numa página nobre, num jornal da maior importância, informa: "Durante as eleições, a presidenciável Marina Silva (PSB) ficou hospedada em São Paulo em um apartamento no mesmo quarteirão do prédio onde morou o doleiro Alberto Youssef, segundo endereço informado à PF".
Trata-se de uma informação da maior importância, claro; de evidente interesse público. Faltou alguma complementação. Por exemplo, que o presidente Barack Obama "mora na mesma cidade em que o presidente Lincoln foi assassinado". Pode-se passar até para outro bestialógico, o de um grande centroavante que, chegando a Belém do Pará, manifestou sua satisfação por jogar na cidade em que Jesus nasceu. Será um bestialógico maior que o outro? Não: igualzinho.
Uma imensa gleba usada para reflorestamento, gastos com plantio, adubação, combate às pragas, corte das árvores, processamento da madeira, transformação em pasta de celulose, em papel, transporte, e tudo para publicar notícias dessas? E ainda esquecendo detalhes dos mais saborosos. O (ainda) ministro Guido Mantega nasceu em Genova, no mesmo país onde Henrique Pizzolato está morando.
Uma informação como essa, convenhamos: não é nada, não é nada, não é nada mesmo.
Investigar de verdade
Certa vez, Carlos Castilho, o grande goleiro do Fluminense e da Seleção brasileira, que tinha a fama de ter muita sorte, disse que não existe grande goleiro sem sorte. Mas havia algo mais: a bola batia nele, explicou, porque ele sabia se colocar no caminho da bola.
O grande jornalista também precisa de sorte; e também precisa saber por onde passa a notícia, para capturá-la e apurá-la. Se o jornalista quiser carregar com dignidade o título de repórter investigativo, o lugar por onde passa a notícia não é o edifício do Ministério Público, onde recebe informações selecionadas de acordo com os interesses das autoridades, não do público leitor.
O caminho também não passa pelas gavetas onde a matéria fica guardada, até que, na véspera da publicação, de preferência bem após o horário de fechamento do escritório, o repórter telefona para pedir esclarecimentos e poder dizer que, procurados, os executivos da firma não retornaram as ligações e que, às dez da noite, alguém que se identificou como segurança alegou não ter o telefone pessoal do presidente da empresa.
A boa repórter Joice Hasselmann, de TVeja, teve a sorte de entrevistar um procurador logo que ele propôs uma ação declarando inidôneas as empresas que forem condenadas na Operação Lava-Jato. Mas só teve esta sorte por saber que, se alguma medida fosse adotada para a declaração de inidoneidade, aquela seria sua grande fonte. E insistiu em entrevistá-lo. Na entrevista, o procurador se soltou e disse que a história de que o país iria parar se as grandes empreiteiras fossem declaradas inidôneas (e, portanto, ineptas para realizar novas obras para empresas estatais) era "uma falácia".
Talvez o ponto de vista do procurador seja um pouco mais doce do que a vida real (numa só cidade do Rio Grande do Sul, a subsidiária de uma grande empreiteira promete demitir mil funcionários, o que vai gerar uma imensa crise de emprego em toda a região). Mas aí já se trata da repercussão econômica da medida solicitada pelo Ministério Público; a reportagem, feita no momento exato, permite iniciar o debate sobre as consequências desse tipo de providência.
Antes e depois
Da insopitável vontade de publicar platitudes até a insopitável tendência de se aliar às autoridades para atingir os alvos por ela designados, em vez de tentar descobrir a verdade dos fatos, boa parte do jornalismo de hoje perdeu qualidade diante do que já se fez na imprensa brasileira. O repórter e professor Cláudio Tognolli define essa diferença:
Jornalismo 1980: "Vamos dar bem sua matéria porque ninguém está falando no assunto".
Jornalismo 2014: "Não vamos dar porque ninguém está falando nisso".
Hora de investigar
Lembra de Rosemary Póvoa de Noronha, que chefiava a representação da Presidência da República em São Paulo, que viajou inúmeras vezes no avião presidencial (ao que consta, nem sempre era citada na lista de passageiros), que foi acusada de usar o prestígio do cargo para influir pesadamente em nomeações de amigos?
Pois bem: o Superior Tribunal de Justiça, STJ, autorizou o acesso do Grupo Globo às informações do cartão corporativo de Rosemary Noronha, com as despesas discriminadas por tipo, data, valor e CNPJ e razão social dos vendedores.
A julgar pela resistência oferecida pelo Governo à liberação dos dados do cartão corporativo, solicitada desde a Operação Porto Seguro da Polícia Federal, em 2013, talvez o material disponível seja muito interessante. Dá trabalho decifrar tudo, enquadrar as despesas nas disposições legais, fazer todos os cálculos, trazer a moeda para o valor presente; mas a recompensa, em termos jornalísticos, pode ser imensa.
Rosemary Noronha é alvo de processos por formação de quadrilha e enriquecimento ilícito (que correm em segredo de Justiça), vinculados ao objetivo da Operação Porto Seguro, de apurar denúncias de venda de pareceres técnicos para a liberação de obras em beneficio de empresas privadas.
O ministro Napoleão Nunes Maia Filho, relator do caso, autorizou o fornecimento dos dados do cartão corporativo com base na Lei de Acesso à Informação.
Pode render reportagem explosiva. Parabéns à Infoglobo, que foi buscar os fatos.
Os riscos da digitação
Época, proximidade de março de 1964. O clima político no país estava envenenado. Havia grupos organizados de defesa da moral e dos bons costumes. Um dos grupos mais famosos era o das Senhoras de Santana - o bairro onde viviam e conspiravam. Foi a época em que as moças ousaram encurtar as saias, motivando um imortal protesto de senhoras moralistas de Minas Gerais: "Ninguém levantará a saia da mulher mineira".
Pois foi nesses dias furiosos que a Folha publicou, na programação de filmes, no Marrocos, um dos mais frequentados cinemas da cidade, um grande sucesso: Um raio em céu sereno. Lamentavelmente, faltou uma letra. E delegações de senhoras preocupadas com a dissolução dos costumes apareceram na Redação para protestar. Este colunista, foca de tudo, foi encarregado de recebê-las (e ficou contente, achando que era um reconhecimento. Não era: era apenas o reconhecimento de que era o mais bobo do pedaço).
Explicar às senhoras o que tinha acontecido se revelou inútil: sem dúvida, aquele monossílabo iniciado em "c", encerrado em "u" e sem a letra do meio era parte de uma conspiração para minar a moralidade do país.
Essas coisas, caro colega, davam galho. Hoje estamos em outra etapa, ainda bem. E um importante portal do Rio Grande do Sul publicou a seguinte informação: "Moradores se assustam com objeto estranho no (céu) de Santa Maria, RS" Não era exatamente "céu" a palavra publicada; faltava-lhe a mesma letra que tinha provocado tanta confusão cinquenta anos atrás. A solução foi simples: assim que perceberam o erro, o céu ganhou uma vogal e voltou a ser o que sempre foi.
Pode não ser coisa muito importante. Mas estamos melhor que em 1964.
O grande Maurício e os espíritos
Maurício de Souza, criador da Turma da Mônica, mais de um bilhão de revistas vendidas em todo o mundo, entra em novo setor: ilustra o Evangelho segundo o Espiritismo. O livro, Meu Pequeno Evangelho, utiliza um primo do pai do Cascão para transmitir ensinamentos espíritas.
O livro deve ser lançado dia 13, sábado, a partir das 15h, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, SP. Maurício dará autógrafos ao lado dos autores do texto, Luís Hu Rivas e Alá Mitchell.
Os sonhos de Gregory Fink
É coisa de primeira: Gregory Fink, que já expôs nos Estados Unidos, Inglaterra, Itália, França e Suíça, detentor do Grand Prix de Paris, do primeiro prêmio no Festival dos Três Mundos e a medalha de Ouro na Galeria Internacional de Artistas, na Itália, está em São Paulo, na galeria Gravura 22, com Fragmentos de um Sonho. Até 10 de dezembro na avenida Juscelino Kubitschek, 417, de segunda a sexta das 10 às 18h, aos sábados das 11 às 15h.
Como...
De um grande jornal impresso, dos mais importantes: