Coluna - Observatório da Imprensa
A ferocidade da campanha eleitoral deixou frutos. Parafraseando Nelson Jobim, os bárbaros perderam a modéstia. Proclamam seus ódios imbecis e acreditam - isto é o pior: acreditam sinceramente - que o adversário político tem de ser fisicamente liquidado. Na opinião deste povo, Stalin e Hitler eram para os fracos.
Não faz muito tempo, morreu o filho de um jornalista famoso. Há menos tempo ainda, o irmão de um magistrado cujas posições partidárias eram anteriormente muito definidas foi acusado de alguma irregularidade.
Incrível: o noticiário sobre as acusações sempre puxou, na manchete, o "irmão de Fulano". Havia alguma ligação entre ambos? Não; os mais duros adversários do magistrado reconhecem que não há rigorosamente nenhuma ligação de atividade política ou administrativa entre eles. São parentes - e daí? Houve algum favorecimento? Houve alguma interferência? Há qualquer indicação de que o irmão mais poderoso soubesse das atividades do outro irmão? Não - logo, fazer a ilação de que se é amigo é cúmplice não passa de canalhice. É usar suspeitas infundadas contra um irmão como arma política contra o outro, cujo principal crime é ter, ou ter tido, preferências partidárias diferentes das de quem o ataca.
Um antigo e excelente livro, Introdução ao Jornalismo , de Fraser Bond, já alertava contra os riscos de dar ao parente, ou amigo, o protagonismo de uma notícia da qual não participava. Algo como "Tio-avô de Fulano atropela e mata três". Se não há relação entre o parente e o fato, por que citar o parente? No caso de que tratamos, do irmão do magistrado, a citação é uma forma de atingir aquele que é encarado como adversário político.
O outro caso é mais grave: alguns cretinos fundamentais saíram nas redes sociais manifestando sua alegria pela morte de um filho do jornalista que consideram inimigo. Frases do tipo "Filho do canalha (...)" se espalharam. Um internauta fez a pergunta óbvia: e por que Fulano de Tal é canalha? A resposta foi claríssima: porque é adversário político. Ou, conforme o caso, porque se opôs à reeleição de Dilma Rousseff. Ou por trabalhar numa rede de TV que não é a da preferência do grupo que festeja a morte dos outros.
A coisa chegou a tal ponto que um internauta, Allan Pitz, cansado das agressões a quem não podia se defender. reagiu com dureza à ofensiva de difamação contra o morto e seu pai. "(Fulano - nome do autor dos insultos), que o Universo lhe retribua em dobro tudo aquilo que você despeja sobre as pessoas. Desejar a morte de alguém porque não concorda com o seu partido político, desrespeitar a dor de um pai, é no mínimo uma declaração de loucura ou canalhice aguda. Que bons ventos o levem para onde você merece".
Outra internauta, Fátima Antunes, bateu forte: "Affff!!!! Nem ao pior inimigo se deseja ou se vangloria com tamanha tragédia. Seguindo essa linha seríamos muito mais abjetos que nossos inimigos".
Houve puxa-sacos que, para defender o agressor, insistiram em dizer que a notícia da morte era falsa, porque não mencionava a empresa em que trabalhava o pai do falecido. Imbecilidade, é óbvio. Entre outros motivos porque a notícia era verdadeira e já estava confirmada há horas.
Esta nota começou parafraseando uma frase do ex-ministro Nelson Jobim: os bárbaros perderam o pudor. Mas pode ser encerrada com a frase exata de Jobim: os idiotas perderam a modéstia.
O pecado da defesa
Os comentários sobre a morte de Márcio Thomaz Bastos foram, em larga medida, baseados em posições partidárias, sem levar em conta as inúmeras facetas de um ser humano inteligente, preparado e vivido, sem levar em conta a posição de um advogado na vida do país. Infelizmente, continua popular a tese de que determinadas pessoas não deveriam encontrar quem as defendesse - embora a lei determine que ninguém pode ser julgado sem um advogado que o defenda.
Márcio foi criticado por:
1 - defender dirigentes petistas em diversos casos (esquecendo-se, convenientemente, de que foi advogado de Antônio Carlos Magalhães), e de diversas pessoas pré-condenadas pela imprensa e pela opinião pública.
Esqueceu-se que a função do advogado é defender a aplicação da lei sem que isso atinja o direito de defesa do acusado. Márcio foi um dos fundadores do Instituto de Defesa do Direito de Defesa e nunca escolheu o partido de quem iria defender: sempre, como qualquer bom advogado, atendeu a quem necessitasse de seus serviços.
2 - ganhar dinheiro com a profissão.
Este é um objetivo, admita-se de quase todos os prestadores de serviços. Ora, ao defender causas mais complexas, o advogado pode pedir honorários mais compensadores. Quem o paga é o cliente. Quem paga a acusação (e, recordemos, bons salários) é o Tesouro. Se os clientes achassem que seus serviços não valiam o preço, certamente procurariam outro. E houve casos em que Márcio defendeu clientes gratuitamente - ou, no jargão profissional, pro Bono.
3 - ser amigo do ex-presidente Lula.
Pois é. O Ricardo Kotscho é amigo de Lula e este colunista é amigo do Ricardo Kotscho. Qual o crime de ser amigo de Lula? Este colunista sempre se deu muito bem com José Dirceu e gosta de Clara Ant. Ambos apreciam Lula. E daí?
4 - ter criado a linha de defesa do Governo no caso do Mensalão.
Ou seja, ter agido como advogado, buscando as saídas possíveis dentro da lei.
Este colunista faz uma restrição ao trabalho de Márcio Thomaz Bastos, embora jamais tenha tido oportunidade de conversar com ele sobre o caso: foi em sua gestão no Ministério da Justiça que se iniciou a nociva prática de invadir escritórios de advocacia, algo profundamente perigoso para o Estado de Direito.
No mais, atacar Márcio por seus amigos, por seus clientes, por seus honorários nada mais é do que rejeitar suas opções político-partidárias. Se é para atacar Márcio, por que não por seus problemas, e sim por problemas de outros?
Guarde a data
Terça-feira que vem, dia 9, está marcado o início de duas importantes exposições: as de Renata Bueno (serigrafias) e de Lygia Eluf, artista plástica e professora universitária. Qual das duas? Ambas: as duas se realizam na Galeria Gravura Brasileira, rua Dr. Franco da Rocha, 61, SP, de segunda a sexta das 10h ás 18h e aos sábados das 11h às 13h. Abertura: dia 9, das 19 às 22h. Entrada gratuita.
Um livro para ter em casa
A historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro, da Universidade de São Paulo, lança um livro essencial para entender o antissemitismo e sua persistência: Dez mitos sobre os judeus (Livraria da Vila, shopping Higienópolis, das 18h30 às 21h30, nesta quarta-feira, dia 4). O livro será lançado em 2015 no Rio, Curitiba, Belo Horizonte, Salvador, Porto Alegre e Brasília. Alguns dos mitos analisados na obra: "Os judeus mataram Cristo"; "formam uma entidade secreta"; "dominam a economia mundial"; "controlam a mídia"; "não existem judeus pobres". O livro tem o rigor da historiadora, numa linguagem acessível, direta e agradável. É, portanto, adequado a todos os que se interessem pelo assunto.
Como...
De uma grande revista, orgulhosa da qualidade de seu texto: