Coluna - Observatório da Imprensa
O mundo gira, a imprensa roda. Não faz tanto tempo assim, os advogados eram os heróis do Judiciário: eles garantiam os direitos dos presos, enquanto policiais, promotores e juízes eram apontados, com raras exceções, como os vilões que queriam colocar cidadãos patriotas, talvez radicais mas sinceros, nos cárceres da ditadura. Hoje, para boa parte dos meios de comunicação, os reis são promotores e juízes. Eles é que lutam para erradicar a corrupção, enquanto os defensores são depreciativamente chamados de "bons advogados" ("contratados para manter os privilégios dos poderosos criminosos de colarinho branco") e acusados de cumprir o dever constitucional de defender os acusados nos tribunais. "Bons advogados" é depreciativo? É - nada surpreendente, porque são também acusados de ser "bem pagos". Há quem diga que o advogado é tão criminoso quanto seu cliente, porque deveria saber que o dinheiro de seus honorários tem origem obscura.
E como é que se decide que o dinheiro tem origem obscura se ainda não houve julgamento?
Mas há também uma divisão interessantíssima no noticiário. Os acusados de crimes violentos contra a vida e a propriedade são "suspeitos", "supostos", por mais evidente que seja sua participação no evento. Recentemente, um cavalheiro foi preso por suspeita de participar do estupro e assassínio de uma jovem. Indicou à Polícia o local onde havia escondido o corpo. E a imprensa o trata como suspeito. Na Alemanha, uma garota turca ajudou duas jovens a fugir de um grupo de rapazes, que as havia encurralado no banheiro e tentava estuprá-las. Um dos integrantes do grupo a agrediu com golpes na cabeça e ela morreu. O que dizem nossos veículos? Que ele "supostamente" a agrediu - supostamente, embora ela tenha efetivamente morrido em consequência da suposta agressão.
Já os acusados de crimes contra o sistema financeiro são tratados pela imprensa como culpados. A vida, pelo jeito, é menos importante que o dinheiro. Eles não são acusados, nem indiciados, nem réus que aguardam julgamento. São considerados, automaticamente, criminosos. E se algum magistrado de instância superior lhes concede liberdade provisória, ou tranca o processo, ou - heresia das heresias, usa a primeira garantia legal da História, o habeas corpus, velho de mil anos, para libertar alguém que não precisaria estar preso - é porque também deve estar metido na maracutaia.
Este colunista leu com atenção o noticiário da Operação Lava-Jato e da Operação Juízo Final. Se os juízes determinaram alguma medida e as instâncias superiores não a modificaram, isso significa que tudo está sendo feito de acordo com a lei. Mas a dúvida é com relação ao noticiário: vários dos detidos foram levados para Curitiba, ouvidos pelo juiz do caso e libertados. A detenção - ou, mais precisamente, condução coercitiva - tinha apenas o objetivo de ouvi-los. Por que, ao menos nesses casos, não foi feito primeiro uma intimação, para que comparecessem? E, em caso de nãocomparecimento, aí sim seriam levados sob vara, coercitivamente?
Deve haver motivos legais para isso. Mas este colunista, provavelmente por falha em sua pesquisa, não encontrou a explicação na imprensa. Seria terrível imaginar que o objetivo do interrogatório sob condução coercitiva fosse exclusivamente o de expor o interrogado à curiosidade da opinião pública, para escarmento. E, pior ainda, que a imprensa tenha aceito alegremente este tipo de oportunidade de filmá-lo e fotografá-lo.
É rico, é culpado
As reportagens sobre os empresários presos em Curitiba são também interessantes, pelo que revelam do pensamento dos repórteres. Claro, a diferença de padrão de vida entre a cadeia e a casa dos prisioneiros vale matéria. Mas a mal contida alegria ao narrar que não havia camas suficientes e empresários tinham de dormir em colchões no chão, que não tinham onde ficar durante o dia e precisavam improvisar cadeiras e sofás com lençóis e cobertores, já não está na linha do bom jornalismo. Descrever as roupas das pessoas que visitavam os presos como se estivessem cobrindo um desfile de moda fez parte da demonstração de preconceito. As maletas eram identificadas por sua marca e algumas características - uma delas, pasme, tinha rodinhas! - os trajes das senhoras visitantes foram descritos com riqueza de detalhes. Boa parte das mulheres, veja só!, usava terninhos e óculos escuros. Isso, sem dúvida, deve ter grande importância.
A isso se dava tanta importância que outros fatos acabaram sendo noticiados com desleixo. Por exemplo, uma reportagem informava que era permitida a visita ao preso por grupos de até duas pessoas, "além de dois adolescentes".
A partir de que idade um adolescente vira uma pessoa?
Os xaatos
O fundamentalismo xiita de grupos jornalísticos partidarizados ultrapassou todos os limites.
1 - A notícia de que uma lista de 33 pessoas, que a Polícia considera envolvidas no cartel do Metrô e dos trens urbanos em São Paulo, foi encaminhada à Justiça, mereceu divulgação nos maiores jornais do país, recebeu mais de quatro minutos - um tempo imenso - no Jornal Nacional, entrou nos grandes portais noticiosos de Internet. Mesmo assim, houve jornalistas que protestaram, principalmente nas redes sociais, contra o "escasso noticiário", de "baixa visibilidade", atribuído principalmente à participação de governantes do PSDB no caso. Uma reclamação: "saiu onde no jornal? Pé de página? Chamada de três linhas na primeira? Matéria de 20 linhas lá dentro, escondidinha?"
O cartel ficou mesmo escondido durante muitos anos, sendo este colunista um dos poucos a insistir em que fosse investigado. Mas, especialmente a partir do momento em que os procuradores suíços conseguiram atrair a colaboração de colegas brasileiros, o inquérito começou a andar. E, se não tem o apelo do Mensalão, isso se deve a um único problema: o Mensalão incluía dirigente políticos importantes, como José Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares e outros, enquanto o cartel tucano envolve por enquanto políticos bem menos expressivos, como José Aníbal, Rodrigo Garcia e Robson Marinho. Na opinião deste colunista, a investigação pode e deve ir mais longe, para descobrir como, em dez anos, o desvio de mais de R$ 800 milhões passou despercebido por três governadores e seus secretários e assessores. Mas que agora houve boa divulgação do envio do inquérito à Justiça, pela Polícia, isso houve.
2 - Eliane Cantanhede, uma jornalista importante, bem lida, foi demitida da Folha. Uma perda para o jornal, que gerou muitas reclamações de leitores. Mas faz parte do jogo. O que não faz parte do jogo foi assistir a manifestações de jornalistas que, por discordância com o pensamento de Eliane, comemoraram a demissão (outros ficaram felizes por acreditar que a Folha demitiu jornalistas para reduzir prejuízos, e que isso é prova de que o jornal está decadente). Festejar demissão de colegas, festejar corte de vagas, festejar a possibilidade de fechamento de um dos maiores empregadores do país! Radicalismo normalmente é burro, mas não é preciso exagerar.
Bem, Eliane Cantanhede passou pouco tempo longe de jornais diários. Sua coluna passa para O Estado de S. Paulo. Mais comentários rancorosos, indignos, desrespeitosos. Gostem ou não, Eliane é uma profissional de prestígio, vai para um jornal de prestígio, cria uma vaga nova, reforça um veículo de comunicação que é dos grandes empregadores do país. Manifestar-se contra isso? Então, tá.
3 - O radicalismo crescente faz com que a precisão das notícias também se transforme em algo muito discutível. Um grande jornal impresso informou, outro dia, que os governadores eleitos pelo PT articulam a volta do Imposto do Cheque, ou CPMF. Primeiro, a informação está errada: a CPMF, Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, só pode ser proposta pelo Governo Federal. Os governadores têm todo o direito de apoiar ou não a proposta, mas a iniciativa não é deles. E, entre os governadores "eleitos pelo PT", são citados o paranaense Beto Richa, do PSDB, e o paraibano Ricardo Coutinho, do PSB. Bom ou ruim? Em termos de recriação do imposto, cada um tem sua opinião.
Mas em termos de notícia, mudar os governadores de partido sem dúvida é ruim.
De anjo a demônio
Um dia, apareceu no noticiário um cavalheiro com nome de viking, ousadia de viking, tudo de viking, de quem nunca se ouvira falar, e se transformou numa rápida celebridade nacional. Fazia e acontecia: um megahipersuperporto gigante dentro do mar, bem longe da praia, empresa de minério, empresa de petróleo, compra de um dos mais tradicionais hotéis do Rio para transformá-lo em sede de suas empresas (depois mudaria de planos e o hotel seria transformado num dezoito estrelas, ou coisa parecida), parceria em projetos sociais, parceria em projetos urbanísticos, um McLaren Mercedes estacionado na sala de sua mansão, entrevistas sucessivas prometendo tornar-se o homem mais rico do mundo.
A imprensa o aceitou bem: publicava suas entrevistas quase diárias, divulgava seus projetos ainda em fase inicial como se fossem obras em andamento, fazia questão de ouvi-lo sobre tudo, do mercado de minério de ferro na Ásia dentro de 40 anos até o foguete europeu que um dia pousaria num cometa. Resultado: não deu certo. E até o hotel, o mais simples de seus projetos, está parado. Não é o que era, não se sabe o que será. Sabe-se o que é: no momento, uma obra inacabada. Funcionar e render, que é bom, isso não.
Pois não é que só então, depois que tudo pifou, que os meios de comunicação começaram a prestar atenção nos detalhes do império de Eike Batista? Nem o minerioduto que liga Conceição do Mato Dentro, em Minas, ao Porto de Açu, no Rio, escapa à sina dos projetos esquisitos. O minerioduto estourou os custos em US$ 10 bilhões, estourou o prazo em cinco anos, teve de ser vendido por Eike à Anglo-American. E agora, quando começou a funcionar, descobriu-se que é poluidor. E que, no meio da grande seca, precisa de 2,5 milhões de litros de água por hora.
Tudo bem, o charme, a ostentação de riqueza, o convívio com os poderosos devem ter tapado os olhos dos meios de comunicação. Mas, considerando-se o estouro do prazo e dos custos, seria exigir demais que os meios de comunicação já tivessem investigado o minerioduto mais cedo?
Da Prefeitura para o povo
É uma placa oficial, fotografada pelo leitor Carlos Cunha, colocada em frente ao prédio da Câmara Municipal de São Paulo. Quem tem competência para instalá-la é a CET, da Prefeitura. A placa, que proíbe qualquer tipo de parada de veículos, começa chamando o pedestre de "pedrestre" - tadinho!
Mas o mais interessante é a linguagem tecnocrática de quem cuida do trânsito paulistano: