Coluna - Observatório da Imprensa
O tempo passa, o tempo voa, garantia um anúncio antigo e famoso. Acredite: houve época em que o noticiário policial ocupava apenas uma parte do jornal, e raramente a parte mais nobre. Na TV e no rádio havia programas policiais, mas em horários próprios, específicos, nunca associados aos noticiários de interesse geral.
Hoje, o jornal da TV se divide em noticiário policial de colarinho branco e cobertura de crimes em geral, com uma ou outra reportagem especial, mas raramente sobre atualidades. O jornal de papel apresenta colarinho branco, crimes nas ruas, suspeitas (apresentadas como certezas) de crimes no noticiário esportivo. Os comentários da Internet, com sua insopitável tendência a FlaxFlu, discutem, no fundo, que outros partidos são mais ladrões do que o partido deles.
OK, é preciso noticiar escândalos, crimes, compra e venda de políticos, etc. Mas não acontece mais nada neste país que mereça ser noticiado? É preciso explicar, a cada edição, como os promotores e juízes são educados, justos, jovens, bonitos, bem formados, com pós-graduações no Exterior, patriotas, cultos, cosmopolitas, internacionalmente reconhecidos, plenamente dedicados à nobre tarefa de varrer a corrupção do Brasil, primeiro, e do mundo, depois?
Será impossível, também, buscar dentro do noticiário dos crimes algo diferente - não apenas aquele material fornecido pelas autoridades? Será tão difícil trabalhar o material de maneira a montar um texto mais compacto, articulando as informações, de maneira a não ocupar o leitor com dezenas de detalhes que devem ser interessantíssimos para os estudiosos do tema, mas que são dispensáveis para os não especialistas?
Há, entre os consumidores de notícias, aqueles que não gostam de noticiário policial, que criticavam determinados jornais afirmando que eram do tipo que, quando espremidos, vertiam sangue. OK, crime de colarinho branco é outra coisa. Mas será essencial que todos os veículos noticiosos dediquem a maior parte de seu espaço e tempo ao crime, por mais que o crime seja espetacular, como esses do Petrolão, ou os do cartel do Metrô e dos trens metropolitanos de São Paulo, por mais que o crime invada nossas cidades, como os latrocínios e homicídios cometidos nas ruas, os sequestros, as chacinas, os tiroteios? Será impossível balancear um pouco o noticiário e buscar pautas diferentes?
Bis repetita
Por falar em reportagens sobre os incontáveis méritos das autoridades, suas qualidades excelsas, seus impecáveis valores éticos, será preciso esquecer, a cada vez que essa matéria é publicada, que não faz muito tempo houve outras matérias iguaizinhas sobre outros corajosos lutadores do bem? Um deles, a propósito, era o depois senador Demóstenes Torres, do DEM de Goiás, que se descobriu amigo de fé e irmão camarada de Carlinhos Cachoeira. E não era o único: alguns implacáveis simplesmente sumiram do noticiário, sabe-se lá por que motivo.
Algo contra os juízes e promotores que comandam as atuais operações? Não: eles estão no seu papel, cumprindo seu dever da melhor maneira possível. Mas tudo contra o endeusamento de quem quer que seja pelos meios de comunicação.
A imprensa, por definição, tem de manter-se afastada do culto à personalidade. Não tem de confiar, tem que desconfiar. Autoridade, seja qual for seu cargo, seja qual for seu partido, é inimiga natural do jornalista. Uma das maiores funções do jornalista é duvidar. Autoridade odeia quem dela duvide. O repórter tem de ficar perto da autoridade o suficiente para colher informações, e longe o suficiente para evitar manipulações.
Parafraseando o historiador Hélio Silva sobre o político Carlos Lacerda, o repórter não tem amigos, tem fontes. E só acredita nelas depois de conferir cuidadosamente as informações que recebeu.
Sim, este país se acostumou tanto à impunidade que qualquer autoridade que se proponha a combatê-la acaba virando ídolo popular. Tudo bem, desde que os repórteres não caiam na armadilha do culto à personalidade. Ou ficaremos, a cada oscilação do pêndulo, publicando a mesma matéria, com outras personalidades e fotos, e esquecendo aquela que já foi feita e que, certamente por bons motivos, só não vai pra a cesta seção porque o Google não deixa. Mas, se os autores puderem, fica arquivada com nome errado.
Novas ideias
Pois é, a gente fica reclamando que não aparecem pautas novas. E, quando aparecem, temos de reclamar do mesmo jeito. Silvia Zaclis, ótima jornalista, do tipo que presta uma atenção danada no noticiário, lembra uma onda recente de reportagens sobre "a tendência" de mudança de brasileiros para Miami, como reação à vitória de Dilma Rousseff nas eleições presidenciais. "Este é um exemplo de preguiça jornalística", diz Sílvia. "O repórter vê duas mulheres andando de saia vermelha numa região elegante de São Paulo e a matéria já tem até título pronto: Saia vermelha é a nova tendência nos Jardins."
E, claro, há certos aspectos práticos que não podem ser esquecidos. No caso da "tendência de famílias brasileiras de classe média" de deixar o país, por não suportar a vitória de Dilma nas eleições presidenciais, há coisas óbvias que precisam ser observadas. Mal a presidente se reelege, a família já está com tudo empacotado, com todas as providências tomadas para morar em Miami?
Quem manda é o banco
José Roberto Ribeiro Braga, leitor desta coluna, traz uma história que representa bem a vida diária do cidadão, imprensado entre governo e grandes empresas e nem sempre podendo contar com o apoio da imprensa.
O banco no qual Braga tem conta debitou-lhe em dobro a prestação de um crédito consignado. Braga pediu a devolução do valor indevidamente descontado, comprovou o erro do banco - e, incrivelmente, pediram-lhe 14 dias de prazo para verificar se houvera ou não erro. Braga reclamou ao Banco Central. O Banco Central, num daqueles e-mails genéricos, informou que o prazo tolerado era... sim, caro colega: era maior. O banco teria 23 dias para verificar, com todos os seus computadores e arquivos, se o desconto tinha sido indevido, para só então devolver o dinheiro, naturalmente sem juros. Enfim, o banco devolveu o que tinha sido indevidamente cobrado após 14 dias. Pois bem: depois de tudo resolvido, o Banco Central mandou outro e-mail ao cliente, informando que o banco tinha pedido mais prazo para análise, e que esse prazo tinha sido concedido. Em resumo, o Banco Central, que deveria supervisionar e fiscalizar o sistema bancário, não tinha a menor ideia do acontecia. Não sabia sequer que o dinheiro já tinha sido devolvido.
E os meios de comunicação? Ora, será que alguma empresa do ramo tem tempo a perder com um cidadão que, além de não ser rico, ou não precisaria de crédito consignado, enfrenta bancos que botam anúncios? Pois é: este colunista, em seu tempo de repórter, já publicou matérias que atingiam anunciantes, com autorização da direção do jornal. Está certo, os tempos eram outros, os jornais eram outros. Mas não reclamem se os consumidores de informação, desatendidos, decidirem que seus hábitos também devem ser outros, e não incluirão a compra de jornais.
O ódio aos números
"Meu negócio são números", dizia o ministro Sardinha, encarnado por Jô Soares no programa Viva o Gordo. Jô representava um engraçadíssimo clone do ministro Delfim Netto, economista que, por razões diversas, tinha ido parar no Ministério da Agricultura.
Ao contrário do ministro de Jô Soares, uma ampla maioria de jornalistas pode garantir que seu negócio não são números. Sempre que vir alguma conta no jornal, faça uma boa checagem: é imensa a chance de estar errada.
Como esta, por exemplo, publicada numa seção importantíssima de um dos principais jornais impressos do país. Segundo o comentário, as despesas totais com aposentadoria e pensões subiram de R$ 291 bilhões para R$ 446 bilhões - "o patamar (...) equivale a 1,1% do Produto Interno Bruto".
Só que o PIB brasileiro gira em torno dos R$ 4,8 trilhões. E R$ 446 bilhões representam pouco menos de 10% deste valor. Este colunista poderia apresentar um número mais preciso, mas aí demonstraria a validade da tese de que jornalista não combina bem com números. E, além disso, milhão, bilhão, trilhão, que diferença que faz?
Como é mesmo?
De uma grande revista semanal: