Coluna - Observatório da Imprensa
Não, não vamos discutir a decisão da Justiça Federal que determinou a quebra do sigilo telefônico do repórter Allan de Abreu e do Diário da Região, de São José do Rio Preto. Este colunista acha que é uma decisão equivocada, mas certamente os magistrados entendem melhor a lei. Resta apenas torcer para que a decisão seja derrubada na instância superior.
Lembremos o caso: o objetivo da quebra dos sigilos é identificar as fontes de Allan de Abreu para suas reportagens sobre a Operação Tamburutaca, executada pela Polícia Federal em 2011. O Ministério Público pediu ao repórter que revelasse a fonte, o que lhe foi negado, e pediu à Justiça que abrisse inquérito contra ele, quebrando não apenas o sigilo de seus telefones como também o dos telefones do jornal.
A questão é outra: quem é que se beneficia do segredo da fonte, que até agora ninguém ousou exigir de um jornalista? Não é o jornalista: na verdade, é o leitor. É o público que necessita da informação. E o jornalista, como intermediário entre a fonte de informação e os que dela necessitam, se utiliza da liberdade que o público tem, para ser informado, e vai buscar a notícia onde ela estiver. Violar os sigilos do jornalista, em último caso, significa dificultar o acesso da população em geral às informações que ele poderia obter.
A fonte passa a informação ao jornalista confiando que não será exposta. O jornalista garante à fonte que, conforme reza a lei, não é obrigado a expô-la. Aceitos esses princípios, informações de interesse público são fornecidas ao jornalista, que as repassa à população. O jornalista pode ser processado, pode ser condenado, se não conseguir comprovar o que publicou; mas até agora sua fonte estava a salvo da curiosidade dos outros.
Caso não haja rápida modificação da sentença em instância superior, é muito provável que a fonte do repórter Allan de Abreu seja encontrada e esteja sujeita a sofrer perseguição das pessoas, possivelmente poderosas, afetadas por suas revelações. Isso a curto prazo; a médio prazo, quem se sentirá seguro para transmitir à imprensa e à opinião pública informações de que seja detentor, por mais importantes que sejam?
Carl Bernstein e Bob Woodward são excelentes repórteres, mas sem o sigilo da fonte seu principal informante, Deep Throat, provavelmente nem teria entrado em contato com eles. E o caso Watergate, se desvendado fosse, levaria muito mais tempo - tempo suficiente, talvez, para que o presidente Richard Nixon terminasse seu segundo mandato e qualquer revelação que pudesse prejudicá-lo já tivesse perdido a eficácia.
Vale a pena lembrar que a inviolabilidade do sigilo da fonte foi assegurada até pela Lei de Imprensa editada nos tempos da ditadura militar. Ambas, a Lei de Imprensa e a ditadura, não ficaram famosas por posições favoráveis à liberdade de informação e expressão. E mesmo assim foram mais liberais do que a decisão que agora foi tomada.
Informação quente 1
Excelente a série sobre corrupção em municípios apresentada pelo Fantástico. O mais impressionante é que os responsáveis por casos escabrosos dão entrevistas numa boa, explicando tudo e dizendo que é bom.
Informação quente 2
Excelente também a série da Rede Bandeirantes sobre as más condições das rodovias, com imagens impressionantes dos acidentes provocados por problemas de manutenção, engenharia ou de imprudência dos motoristas.
Embora sejam muito menos frequentes do que gostaríamos, há reportagens magníficas nos jornais, no rádio, em revistas, nas tevês. E artigos muito bons - apesar do trabalho que dá para localizá-los, no meio de muita coisa ruim - na Internet. São biscoitos finos prontos para degustar.
Informação quente 3
Volta a crescer o número de ataques com dinamite a caixas eletrônicos, em São Paulo. Sinal de que vale a pena: a rentabilidade é maior que os riscos, que os custos, que a dificuldade da compra da dinamite. E, a propósito, tente o caro colega comprar dinamite: não é um algo que se venda nas lojas, não é um produto que se encontre nas prateleiras. Dinamite exige licença especial e, supostamente, seu comércio sofre estrito controle.
Só que não. Há tempos, na Rede Bandeirantes de Rádio, em excelente série de reportagens, o repórter Agostinho Teixeira localizou um grande fornecedor de dinamite, com escritório numa cela de um presídio de Fortaleza. De lá, o bandido mantinha contato telefônico com seus cúmplices, empregados e clientes; e comandava toda a operação (embora digam que o uso de celulares por presidiários seja ri-go-ro-sa-men-te proibido).
Agostinho Teixeira telefonou para o fornecedor, conversou com ele (tudo foi gravado), informou-se sobre preços e qualidade, a quantidade disponível (ilimitada), soube como seria a entrega: no dia e hora marcados, uma peruinha de lavanderia, com placas de São Paulo, chegaria ao local combinado, onde estaria o comprador. Cada um deveria levar sua equipe de seguranças. A dinamite teria de ser paga em dinheiro, no momento da entrega. A carga seria transferida para o veículo do comprador, e pronto. A dinamite já estaria à disposição para o próximo assalto a caixas eletrônicos.
Que é que aconteceu? Este colunista teve o prazer de ouvir uma reportagem muito bem feita - e só. Ao que saiba, não houve qualquer iniciativa da Polícia, do Ministério Público ou da Justiça contra o fornecedor - mesmo porque não faria sentido prender quem já estava preso. Outros veículos de comunicação devem ter ouvido a matéria, claro, mas nenhum se mobilizou para fazer uma suíte do caso. E os assaltos a caixas eletrônicos continuam a todo vapor. A relação custo-benefício deve ser excelente.
Em compensação...
Até Luciano Huck, normalmente um apresentador impecável, acaba um dia escorregando. Outro dia, conversava com Laís Souza, a magnífica ginasta que sofreu um acidente e ficou com graves sequelas, entre elas a insensibilidade nas pernas. Com as pernas insensíveis, Laís Souza fez tatuagens sem sentir dor. Huck: "Tem essa vantagem, né?"
Como não diria Poliana, personagem de Eleanor Porter que criou o Jogo do Contente, no qual se procura sempre o lado bom de qualquer acontecimento, por mais trágico que seja, "shit happens".
...só pensam naquilo
Um grande jornal impresso, noticiando o Petrolão, cita logo no início da matéria o "Ministério Púbico". Erro de digitação? Poderia ser - mas, pouco depois, o texto informa que, "tanto no Ministério Púbico como na Polícia Federal, a ordem é terminar de apurar os desvios na Petrobras e preparar novas frentes de apuração".
Claro, podem ser erros repetidos de digitação. Mas parece que o pessoal que fez o texto não é tão insistente assim. Devia estar mesmo é pensando em outra coisa.
As cinco perguntas
Há quem considere o livro clássico de Fraser Bond, Introdução ao Jornalismo, uma obra superada. Mais antigas que o livro de Bond são as cinco perguntas, os cinco W, criados durante a Guerra da Secessão, nos Estados Unidos (as agências, que forneciam noticiário a jornais das mais variadas tendências, tinham de ser o mais objetivas que pudessem; e, como dependiam do telégrafo, as notícias precisavam ser concisas). Em português, o quem, onde, quando, como e por que devem ser esclarecidos em cada lead de matéria noticiosa.
No Jornal da Tarde, sempre inovador, houve tentativas de modificar essa norma. Os problemas aconteceram principalmente na área de Esportes: o jornal descrevia o jogo em textos excelentes, entrevistava a namorada do herói da partida, mostrava a família do craque assistindo ao jogo na TV da casa, com todos os vizinhos na torcida. Tudo ótimo - mas com frequência o resultado não saía. Em alguns casos, acompanhando o texto com cuidado, dava para contar os gols. Em outros, não havia jeito. Resultado: o retorno da Ficha Técnica, aquela planilhinha com escalação, gols, etc. Em outro formato, as cinco perguntas essenciais do lead.
A questão do "onde"
Outro dia, uma boa reportagem sobre Henrique Pizzolato (aquele envolvido no processo do Mensalão, que fugiu do Brasil usando os documentos de seu falecido irmão) informava que ele será julgado em fevereiro, na Itália. E completava: tanto o Ministério Público da Itália quanto o do Brasil acham que, se condenado, deve cumprir pena no país.
Pergunta-se: em qual país? No Brasil ou na Itália?
Então é Natal
Uma ótima jornalista e advogada, Emília Soares de Souza, de São Paulo, Capital, leu nesta coluna a saga de um leitor que comprou um aquecedor portátil, usou-o uma vez e não conseguia consertá-lo de jeito nenhum. Publicada a reclamação, referindo-se à falta de interesse dos meios de comunicação na defesa dos interesses de seus clientes, a questão foi resolvida em instantes.
OK, Emília Soares de Souza tem um problema parecido; e, talvez por ter como adversárias no caso algumas grandes anunciantes, não tem conseguido romper o bloqueio da imprensa.
No caso, em abril último comprou nas Americanas uma geladeira Samsung. Veio um modelo menor. Reclamou, houve a troca pelo modelo certo. Mas a mola da porta foi-se em poucos dias. A Samsung mandou um técnico, cujo laudo recomendava a troca por uma porta nova. E acabou: em duas datas marcadas, o serviço autorizado não apareceu. E ainda botou a culpa na Samsung, que teria cancelado a ordem de serviço.
De abril a dezembro, aconteceram duas coisas: a) passaram-se oito meses em que a geladeira, comprada e paga, não funciona; b) as colunas de reclamações de leitores, antes tão eficientes (a do Estadão, nos tempos em que era feita pela Cecília Thompson, funcionava impecavelmente), não se interessaram pelo caso.
Leitor paga pouco pelo exemplar. Anunciante gasta bem mais, né?
Seria, mas não é
Cinco deputados federais apresentaram à Câmara projeto que acaba com a identidade visual dos maços de cigarro. Todos seriam padronizados, proibindo-se a exibição da marca. O modelo seguido é o da Austrália, que adotou lei semelhante em 2012 e tem obtido bons resultados na luta contra o vício. Uma ideia boa - mas como implantá-la quando o contrabando é livre?
Este colunista tem passado com frequência na região da Estação Marechal Deodoro do Metrô paulistano. Ali há uma estação móvel da Guarda Civil Metropolitana, uma repartição pública e, imaginemos, já que se trata da região central de uma grande cidade, algum policiamento. E mesmo assim há barraquinhas que vendem cigarros contrabandeados a R$ 1,00 o maço. Não estão escondidas, não: ficam na calçada, em frente à estação.
Há um grande jornal com redação ali pertinho. O caminho para outro grande jornal passa pelo local. Uma grande rede de TV tem a sede ali pertinho. E se este colunista, que não está fazendo reportagem e não fuma (portanto, não está ansioso para encontrar quem venda cigarros), sabe onde há cigarros contrabandeados, como é que grandes meios de comunicação, com boas equipes de reportagem, não conseguem descobrir cadê as barraquinhas e quem são seus fornecedores?
De que adianta endurecer a lei se não há quem faça cumpri-la?
Bi vice
Nas duas vezes, o título de vice foi obtido fora de casa. Alexandru Solomon, leitor desta coluna, recebeu o segundo prêmio em Poesia, Prosa e Artes Figurativas da Accademia Internazionale Il Convivio, de Giardine Naxos, Itália.
Solomon vai agora em busca de novo objetivo: o primeiro lugar.
Como...
De um grande jornal impresso, sobre a eleição da Mesa numa Câmara Municipal: