Coluna - Observatório da Imprensa
Não foi preciso esperar nem um dia. Já no primeiro horário como ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini - aquele que se notabilizou como algoz de pessoas idosas quando esteve na Previdência - já disse a que veio: sua tarefa é controlar a imprensa. O "controle social da mídia", ou "regulação econômica da mídia", nome de fantasia adotado por Sua Excelência para a censura, será amplamente debatido no Congresso, por iniciativa do Governo. Já se entende, portanto, a montagem do Ministério: valeu tudo para conseguir maioria, fosse ao custo que fosse, e silenciar os críticos do Governo.
Berzoini diz que o debate começará sobre as concessões públicas - TV e rádio, portanto. Diz também que não há intenção de regulamentar o conteúdo - mas deixa claro, "inicialmente". Mais tarde, talvez.
A história de que não se pretende "inicialmente" cuidar da regulação do conteúdo vai até a página 2. Aí já começa a "regionalização de conteúdos". Ótimo: nada melhor do que estimular a produção radiofônica e televisiva em todo o país. Só que a grande produção exige grandes estruturas, que existem nos grandes centros. Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça é uma frase belíssima. Mas implementá-la é outra coisa.
Depois vem a proibição de monopólios e oligopólios na comunicação. Que coisa mais liberal!
Mas avancemos: os empresários regionais do setor querem afiliar-se à Globo, Bandeirantes, SBT e Record porque gostam de transmitir coisas dos outros, ou porque é vantajoso?
Retransmitir o Fantástico dá X de audiência. Qual programa produzido localmente terá essa força? Este colunista cresceu tendo, em sua cidade, uma das emissoras mais antigas do país: a pioneira Rádio Clube Hertz, de Franca. Mas a grande audiência da cidade ia para a Rádio Nacional do Rio, que transmitia programação mais ampla e variada (e isso mesmo tendo de ouvi-la em ondas curtas, com som pior que o de sertanejos universitários).
E,finalmente, os limites geográficos de atuação. É engraçado, em tempos de Internet, falar em limites geográficos. Nos Estados Unidos, há algum tempo havia limites geográficos (talvez continuem existindo). Mas qual o limite geográfico de uma emissora retransmitida via Internet e que chega, com som e imagem locais, à Austrália, Patagônia e Polo Norte?
É difícil que essas restrições funcionem sem uma ditadura feroz, que ninguém no momento tem condições de implantar. Mas o simples fato de se pensar nisso mostra que o Governo gostaria mesmo é de não ter de enfrentar as malditas notícias em que nem sempre aparece bem.
Damas e cavalheiros
Este colunista já cobriu posse de presidente, acompanha posses presidenciais há muitos anos e acha todas muito chatas. Mas nunca viu, nas posses de presidentes homens, discussão a respeito do modelo de suas roupas. Até, em matérias mais detalhadas, descreve-se o terno, o tecido, a gravata; mas crítica de moda masculina não é preocupação dos repórteres.
Na posse da presidente Dilma, discute-se amplamente seu penteado, suas roupas, com detalhes notáveis (no rádio, a cor do vestido era descrita como "bege", "nude" e "areia").
Mulher tem de estar na moda, ponto final, e todo mundo quer dar palpite sobre isso. Este colunista gostou do vestido? Nem gostou nem desgostou: aliás, nem o notou. Estava preocupado com o que a presidente diria, com o comportamento dos ministros, com quem era badalado e quem era esnobado durante as infindáveis cerimônias.
Em Israel, Golda Meir foi primeira-ministra sem ninguém discutir sua costureira nem os modelos que usava (talvez porque ela tenha simplesmente utilizado alguma roupa de seu armário). Indira Gandhi, na Índia, terá merecido discussões tão acaloradas sobre seus modelitos? E Angela Merkel, a formidável primeira-ministra da Alemanha, quem discutiria moda com ela?
Nos Estados Unidos, houve discussões sobre Jacqueline Kennedy, esplendidamente bem vestida, e Michelle Obama, num estilo mais jovem. Na Inglaterra, discute-se a roupa das princesas. Mas Margaret Thatcher foi ministra por longos anos sem ter de se preocupar com críticos de moda.
No Brasil, há uma discriminação clara de sexo, com relação à roupa. Todos os ministros do Supremo foram sabatinados no Senado. Mas as mulheres nomeadas passaram também pelo crivo de elegância de Suas Excelências. Ellen Gracie Northfleet mereceu elogios pelo porte, ló charme, pelas roupas, e ninguém se lembrou de que ela estava lá para ser sabatinada sobre Direito. Mas, pensando bem, é até bom que a discussão sobre frivolidades não atinja personagens como os ex-ministros Édison Lobão e Garibaldi Alves Filho.
Porque ali não há terno nem gravata que deem jeito em sua aparência.
Verdades e fantasias
O empresário que transformou a Folha de S.Paulo no maior jornal do país, Octavio Frias de Oliveira, costumava dizer que o leitor, quando encontra erros em assuntos que conhece, passa a desconfiar do jornal inteiro.
Júlio de Mesquita Filho, jornalista lendário, com certa frequência utilizava palavras pouco conhecidas em seus artigos e editoriais. Quando lhe pediam que usasse palavras mais fáceis, perguntava se a palavra preferida estava no dicionário. Estava, claro. Ele, então, completava: se o leitor não a conhecer e quiser saber do que se trata, ganhará a oportunidade de conhecer uma palavra nova e procurá-la no dicionário. Isso é bom. Faz parte da função do jornal estimular intelectualmente os leitores.
Olival Costa, um dos fundadores da Folha da Noite, berço do grupo Folha, dizia que informar não é apenas noticiar: é ainda selecionar e orientar.
Quem informa errado não informa. Quem escreve mal não orienta. Como recomendar ao futuro jornalista que leia jornais, revistas, leia muito, quando o que ele encontra são textos de má qualidade, cheios de erros, em que se houver uma regência correta será fruto do acaso?
Escrever que o carro de uma moça famosa, envolvido num acidente, "a pertence", é ofender o leitor. Ou, como num infográfico em que certos símbolos são explicados, citar um "barrete frígeo". Não dá: se o jornalista não souber, o Google está à mão, o Vocabulário Ortográfico da Academia Brasileira de Letras virou app de smartphone, é fácil chegar ao frígio. Só as certezas totais (que um jornalista jamais deve ter) ou a preguiça de ir ao app no celular podem explicar este erro, exatamente na matéria que explica do que é que se trata.
As coisas vão longe.
O cantor Renner dirigia "embreagado".
"Elevador Lacerda vão operar de graça no réveillon!
Erro de digitação? Vá lá, mas no caso do Elevador Lacerda seriam dois erros sucessivos. E nem mesmo o autor da matéria relê seu texto? Se relê, o erro não dói como uma batida na cabeça?
Se não dói, a coisa está pior do que pensamos.
Dizem que é preciso reforçar o ensino de português e matemática para que os estudantes brasileiros possam avançar mais rapidamente em outras matérias. A colaboração da imprensa no português está estabelecida; na matemática, acredite, está pior. Insiste-se, por exemplo, em confundir multiplicação com divisão. Isso é que explica "a economia de 245%" se o consumidor pesquisar preços. Só que a informação continua errada: se o consumidor economizar 100%, não gastará nada em suas compras, receberá tudo de graça. Para economizar mais de 100%, terá de receber gratuitamente mais mercadorias do que comprou, ou ser pago para fazer compras.
Some-se a isso (ou multiplique-se) a habitual confusão entre milhão, bilhão e trilhão, e a absoluta falta de lógica no cálculo de multidões.
E tendo informações erradas em coisas que a gente conhece, escritas numa linguagem mambembe e de difícil compreensão, como acreditar nas informações sobre temas que não conhecemos?
Os milhões da Paulista
Na Avenida Paulista, se não houvesse nenhum obstáculo (pontos de ônibus, bancas de jornais, hidrantes, postes), caberiam menos de 700 mil pessoas, apertadíssimas - seis por metro quadrado. De onde tiram os dois milhões que, réveillon após réveillon, insistem em ficar uns nos ombros dos outros, em três andares de público? Pior: o Datafolha tem uma excelente metodologia para medir espaços e contar as pessoas que os ocupam. Por que usar informações da PM? A PM, por acaso, conta um por um os participantes de uma manifestação? Ou será apenas um chute de coturno?
Mas vá somando: dois milhões em São Paulo, dois milhões no Rio, um milhão em Santos, um milhão em Florianópolis ... no fundo, no fundo, não há população suficiente para formar tamanhas multidões. Haja axé e sertanejos para tanto público inexistente!
Ou ele ou o irmão dele
Rivelino jogava um bolão. Seu irmão já não era bom de bola. Pelé tem um irmão, Zoca. Bola não era seu gênero. Entre outros motivos, este é um pelo qual é recomendável que se evite, em notícias comprometedoras, citar parentescos ilustres, de pessoas que não têm nada a ver com o caso.
E fazer brincadeiras para atrair o leitor, à custa de nomes famosos, é ainda pior. Está numa noticia a respeito de um cavalheiro preso com vasta quantidade de cocaína, em Minas Gerais: